Editores de periódicos de história encaram novos desafios

Julho/2019

Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos
Fotos de Roberto Jesus Oscar | Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

Francine Iegelski, Pablo Yankelevich, Claudia Salomon Tarquini, Julio Pimentel Pinto e André Felipe Cândido da Silva na mesa “Políticas editoriais e modelos de publicação na história”, na Fiocruz, em 27 de junho de 2019

A ciência aberta, acessível e transparente ao público inclusive em seus processos de produção, traz mudanças profundas aos modelos atuais de publicação científica. Tendência para a América Latina, já tem sido apresentada como realidade pelo programa SciELO em reuniões com editores de periódicos científicos, que, por sua vez, procuram formas de adaptar-se, diante das peculiaridades de suas áreas de saber e outras dificuldades políticas e práticas.

A preocupação dos editores com o impacto da ciência aberta nas ciências humanas ficou evidente na mesa “Políticas editoriais e modelos de publicação na história”, realizada em 27 de junho na Fiocruz, no Rio de Janeiro, como parte do workshop “Presente e futuro das publicações de história: debates para os 25 anos de História, Ciências, Saúde – Manguinhos”. Temas correlatos, como internacionalização, fator de impacto, financiamento, revisão por pares e endogenia estiveram na pauta dos editores de periódicos que participaram da mesa.

O tempo de cada área

Francine Iegelski, editora da Revista Tempo, da Universidade Federal Fluminense (UFF), contou que, para garantir a profissionalização e a institucionalização da revista, os editores participam de fóruns de editores e eventos de indexadores. Francine recordou discussões recentes no Fórum de Editores da Associação Nacional de História (Anpuh) sobre os preprints, que mudam a lógica de avaliação das revistas, e o fim do duplo-cego, com a queda do anonimato na ciência aberta. Ela questionou o que seria “inédito” assim.

Francine Iegelski

“Se aplicarmos as propostas do SciELO, tornamos o parecerista e o editor corresponsáveis pelo artigo. Não que sejamos contra, mas estamos debatendo para ver qual a melhor forma na área de história”, disse. O corpo editorial da revista Tempo é formado por professores de áreas diferentes dentro da história. Quanto aos pareceristas, evita-se que pertençam à mesma instituição e região do autor.

A editora observou também que o campo das ciências humanas é diferente do das exatas no que diz respeito aos tempos envolvidos. Segundo Francine, em 2018, a Tempo recebeu 100 artigos, com 33% de aprovação. O processo de revisão e diagramação é feito por empresas. O tempo até a publicação é de em média 14 meses, sendo no mínimo oito artigos por edição. A editora explicou que a revista tenta diminuir este tempo, mas quanto mais se publica, mais se gasta, esbarrando-se na questão do financiamento.

A partir de 2013, aumentou o número de artigos em inglês, espanhol e francês. A editora explicou que a política de internacionalização é feita através de dossiês temáticos, e a maioria dos artigos vem da Argentina, Colômbia e Bolívia, na América Latina, e na Europa, da Itália, França e Espanha. A chamada pública dos dossiês prevê que um professor brasileiro e um estrangeiro proponham temas, e uma comissão independente formada por pareceristas ad hoc avalia as propostas. Pareceristas estrangeiros são acionados para avaliar artigos que chegam de outros países.

Combate à endogenia X perda da perspectiva local

Júlio Pimentel Pinto

Júlio Pimentel Pinto, editor da Revista de História da USP, criada em 1950, louvou a iniciativa de HCS-Manguinhos de reunir editores para buscar estratégias conjuntas para os periódicos de história. Para ele, “práticas” editoriais são aplicadas com mais frequência do que “políticas” editoriais, e os editores devem conversar para buscar uma postura comum.

Pimentel considera justa a preocupação de se evitar a endogenia, isto é, a revista publicar um número alto de artigos de pesquisadores da sua própria instituição. Para ele, a Revista de História da USP tem até uma “prudência excessiva”, para corresponder às exigências da Capes, de no máximo de 30% de endogenia. Segundo ele, dos 92 artigos publicados nos últimos três anos, 12 (13%) eram de autores ligados à USP e cinco (5,4%) de professores do próprio departamento de história. Há 20 anos, entre os dezessete artigos publicados nos dois números de 1999, havia dez autores da própria instituição (58,8%), sendo seis deles professores do Departamento de História (35,2%).

“Usamos termos como ‘nacionalização’ e ‘internacionalização’ para nos referirmos ao trabalho importante e necessário de ultrapassar o jardinzinho de nossas instituições — e a Revista de História publicou, nos mesmos últimos três anos, mais textos de pesquisadores estrangeiros do que de professores do Departamento —, e dessa forma deslocamos a perspectiva da nossa pertença institucional ou, de forma mais direta, deixamos de conceber o periódico como expressivo da produção intelectual que nela se desenvolve”, observou. E questionou: “A nossa revista é mesmo nossa? Ela oferece um panorama sobre o que acontece num departamento com mais de 50 pessoas? Como saber o que os colegas estão fazendo? Um periódico não pode ter esse papel?”

Ele reconheceu que já houve casos de “relações promíscuas” entre pareceristas e autores em sua publicação e que pareceres foram derrubados ao se descobrir que foram feitos por colegas próximos dos autores. A revista recebe cerca de 140 artigos por ano, dos quais 40% são recusados. São feitos aproximadamente 200 pareceres por ano e todos os textos são analisados pela Comissão de sete pessoas de áreas de estudo diversas.

Ainda no ensejo de cortar a própria carne, o editor perguntou: “O que é um periódico de história hoje e que futuro se apresenta a ele?”

Pimentel contou que a Revista de História da USP não é lida por jovens ou professores do ensino básico, mas sim por pesquisadores que leem instrumentalmente, de forma pontual, artigos que tratam dos seus objetos de estudo. Os leitores online, segundo ele, se atêm a um ou dois textos, e chegam à revista por busca por palavra-chave, com interesses claros e direcionados.

“Há um afastamento da academia da sociedade”, afirmou. Segundo Pimentel, leva-se de sete a dez meses entre a submissão de um artigo e a sua publicação, tempo que inviabiliza debates imediatos com o mundo ao redor. “Gratuidade não basta. É preciso atingir os ‘curiosos’ da história”, defendeu.

Pimentel finalizou afirmando que é preciso “pensar no futuro sem nos perdermos nas urgências do presente e, mais importante, sem esquecer o passado de nossas revistas”.

Sustentabilidade financeira: requisito fundamental

André Felipe Cândido da Silva

Editor-científico de HCS-Manguinhos, André Felipe Cândido da Silva lembrou que, em quatro anos de gestão, a revista realizou dois workshops para promover discussões sobre as transformações que vêm ocorrendo no campo editorial. Ele citou como marcos na história da revista, após o seu lançamento em 1994, a entrada na internet em 1998, no portal SciELO em 2000 e em blogs e redes sociais em 2013. Outro avanço foi a adoção, em janeiro de 2015, do sistema de submissão de manuscritos Scholar One, que permite centralizar todo o processo editorial. Desde então, foram submetidos à revista, pelo sistema, 1103 manuscritos.

Cândido da Silva disse não acreditar em fórmulas de sucesso, e que seria mais salutar se falar em apostas certeiras. Segundo ele, os aportes necessários recebidos pela revista da Fiocruz ao longo dos seus 25 anos foram decisivos para a sua continuidade. “A discussão fica etérea se não se falar que periódicos precisam de financiamento contínuos para poder pensar políticas editoriais. A sustentabilidade financeira é um requisito fundamental”, afirmou.

O editor contou que hoje HCS-Manguinhos é um periódico “francamente internacional”, o que teria muito a ver com a presença, nos últimos anos, do editor-científico Marcos Cueto. Segundo Cândido da Silva, a revista escoa a produção latino-americana na área de história das ciências e da saúde. Hoje, dos 12 a 14 artigos publicados por edição, cinco são em inglês.

“Há um processo amplo e transversal de internacionalização das pesquisas, além dos artigos. Não somos fechados às mudanças. Discutimos e adotamos parcialmente”, revelou.

Sobre a impressão em papel, o editor disse que a tiragem modesta ainda se justifica, mas existe uma visão de transição para novos modelos, talvez com impressão on demand (por encomenda).

“Índices não refletem prestígio e qualidade”

Pablo Yankelevich

Pablo Yankelevich, editor da revista Historia Mexicana, do El Colegio de México, fundada em 1951, contou que um dos problemas que os fundadores da revista tiveram que enfrentar foi o financiamento. A estratégia para se manter, na primeira década, incluía vendas de publicidade a empresas, a maioria estatais, e algumas privadas, como editoras. A partir da década de 1960, a revista passou a receber financiamento direto do orçamento do El Colegio de Mexico, estabilizando-se.

Yankelevich criticou os índices de avaliação de periódicos científicos. Segundo ele, a Historia Mexicana não está disposta a modificar seu perfil e vocação para atender às demandas dos indexadores.

“Esses índices não refletem fielmente o prestígio ou a qualidade dos artigos em nossa revista”, disse. Leia entrevista com Pablo Yankelevich no Blog de HCS-Manguinhos em espanhol.

A mesa foi mediada por Claudia Salomon Tarquini, da Revista Quinto Sol, da Argentina.

Como citar este post:

Editores de periódicos de história encaram novos desafios. Blog de HCS-Manguinhos. Publicada em 16 de julho de 2019. Acessado em 16 de julho de 2019. Disponível em http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/editores-de-periodicos-de-historia-encaram-novos-desafios

Leia mais sobre o workshop no Blog de HCS-Manguinhos:

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