O legado que se espera é uma profunda revisão do futebol brasileiro

Julho/2014

mauricio_murad2Uma profunda revisão no futebol brasileiro, com o fortalecimento de políticas de formação de base e mais democracia e transparência nos clubes, federações e na CBF, além de novas táticas e treinamentos, será o melhor legado que o ‘Mineratzen’ poderá deixar. É o que pensa o sociólogo Mauricio Murad, da Universidade Salgado de Oliveira (Universo), no Rio, autor de “A violência no futebol” (editora Benvirá, 2012). Confira a entrevista do professor ao blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Perder para a Alemanha de 7 a 1 em casa. O que esta derrota significa para o Brasil do ponto de vista histórico Significa uma espécie trágica de reedição histórica da derrota de 1950. Desde a Copa das Confederações, de 2013, houve a difusão de um sentimento para a coletividade brasileira de que a Copa de 2014, aqui, poderia ser a redenção da derrota de 1950, 64 anos depois, quando a seleção estivesse completando 100 anos de história, em 2014. Este foi um grande equívoco e acabou pesando muito nas costas dos jogadores. Alguns erros foram cometidos, como por exemplo o “já ganhou”, quando Parreira disse que “estamos com a mão na taça”, e um jeito arrogante, anti-democrático, ditatorial mesmo, quando Felipão, de forma tirânica, bradou “quem não concordar comigo que vá para o inferno”. Não nos esqueçamos que Scolari já elogiou o regime fascista de Pinochet, no Chile. Se essas coisas eram ditas no ambiente público, dá pra imaginar o que era dito no “vestiário”. E tudo isso, claro, pesa muito nos jogadores. É o tal compromisso do êxito, o ter a obrigação de ganhar. É possível comparar esta derrota à de 1950? Acho que esta é pior do que aquela. A começar pelo placar: 2 x 1 e 7 x 1. Em 1950, o futebol ainda não era essa marcante e intensa simbologia cultural para o Brasil como é atualmente, uma de nossas mais consistentes identidades culturais coletivas.  O Brasil ainda não era “o país do futebol” e não tinha ainda nenhuma conquista internacional expressiva, no âmbito do futebol. Portanto, o impacto social creio que seja maior, embora a dor e o sentimento de perda, morte e luto sejam mais ou menos semelhantes. E agora, qual será o legado da Copa? Do ponto de vista futebolístico, espero que seja o legado de uma profunda revisão no futebol brasileiro, no fortalecimento de políticas de formação de base e mais retenção de nossos craques aqui no país. Passar o nosso futebol a limpo, a começar pelos clubes, federações e a própria CBF, com mais democracia, transparência, arejamento de novas ideias de táticas, treinamentos, tudo isso de acordo com as raízes culturais de nosso futebol, que encantou o mundo e é o único pentacampeão. Mais ainda: responsabilidade financeira, fiscal e social, por parte das entidades desportivas do Brasil, com incentivos ao esporte educacional e cidadão. Sei que é muita coisa e por isso é muito difícil, mas é o desejável. A derrota pode trazer mudanças significativas na questão tática do futebol jogado pelo Brasil, saindo os treinadores com perfil de “paizões”/motivadores e entrando profissionais que de fato estudam a parte tática? Acredito que sim e desejo que sim! Essas coisas subjetivas de “família”, “paizão”, palestras motivacionais etc, essa dimensão emocional, até ajuda, mas ajudaria mais se fosse ao encontro de um trabalho consistente, mais racional, objetivo, que incorporasse as novidades da ciência, da técnica e da globalização, mas respeitando-se as nossas raízes, as nossas identidades, e não abrindo mão delas. Aí sim poderíamos convergir o “emocional” com o “racional”, que são dimensões da vida, em todos os seus setores e, por consequência, também do futebol. Podemos esperar um clamor por mais profissionalização do nosso futebol e uma renovação na CBF? Só o tempo dirá, mas eu espero que sim, até porque uma derrota dessa tão massacrante e humilhante não pode passar impunemente. Não se trata de buscar algum “bode expiatório”, mas de aproveitar a depressão coletiva desse imenso luto e fazer disso um caminho de superação, renovação e retomada histórica. Leia também: Que legado? – Artigo de Mauricio Murad publicado no Estadão em 02/08/2014. No blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos: Pane geral: tudo não passou de um mau jogo Para o historiador Victor Andrade de Melo, o Mineiratzen e o Maracanazo não podem ser comparados ‘Se aprendermos com o acontecido e lutarmos por mudanças, a Copa deixará um legado’ O sociólogo Bernardo Sorj publicou artigo no jornal O Globo. Uma megafesta com legado superestimado Poucos países ou cidades conseguem efeitos positivos duradouros sediando grandes eventos, afirma o professor Rory Miller, fundador do MBA A Indústria do Futebol da Universidade de Liverpool ‘A Copa é o melhor momento de expressar o inconformismo com as nossas insatisfações’ Para o jogador e médico Afonsinho, o Brasil não está aproveitando uma oportunidade extraordinária ‘Uma Copa não tem a força necessária para mudar um país’ Para o antropólogo alemão Martin Curi, os brasileiros alimentaram esperança demais, e o legado possível restringe-se à venda de uma imagem positiva do Brasil ‘O x da questão não está na reação do jogador, mas no teor da campanha’ Para Clícea Maria Miranda, associação do negro com animalização e a irracionalidade está cristalizada. Macacos não jogam futebol Ricardo Waizbort inocenta Darwin de acusações de racismo e explica que ele defendia que todas as “raças” humanas faziam parte de uma mesma espécie e compartilhavam um ancestral comum: um primata. Na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos: Formação de relações regionais em um contexto global: a rivalidade futebolística entre Rio de Janeiro e São Paulo durante a Primeira República – Artigo de Christina  Peters (vol. 21, n.1,  jan.-mar. 2014) E ainda: Qual será o legado deixado pela Copa? – O preço que se paga por sediar o megaevento foi tema da reportagem de capa da Revista Radis de junho.  Legado também é tema do Blog Saúde em Pauta. Arquivo Nacional em ritmo de Copa Exposição virtual Drama e Euforia: o Brasil nas Copas de 50 a 70 traz fotos do Correio da Manhã e da Agência Nacional Professores do CPDOC publicam em Londres livro sobre relações entre o Brasil e o futebol Paulo Fontes e Bernardo Buarque de Hollanda lançam em Londres The Country of Football: Politics, Popular Culture, and the Beautiful Game in Brazil. ‘O Maraca é nosso’? Bernardo Buarque de Hollanda e Jimmy Medeiros apresentam os resultados de uma pesquisa sobre a percepção das torcidas do Rio do novo Maracanã. Exemplo: quanto mais velho o torcedor, mais ele aprova o estádio remodelado. Como citar este post [ISO 690/2010]: O legado que se espera é uma profunda revisão do futebol brasileiro. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. [viewed 9 July 2014]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/o-legado-que-se-espera-e-uma-profunda-revisao-do-futebol-brasileiro/