Maio/2019
Em despacho da última sexta-feira, 3 de maio de 2019, o Ministério da Saúde pede que seja evitado e, possivelmente, abolido o termo “violência obstétrica” em documentos de políticas públicas. Assinado pela coordenadora-geral de Saúde das Mulheres, Mônica Almeida Neri, pelo diretor do departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Marcio Henrique de Oliveira Garcia, e pelo Secretário-Executivo substituto, Erno Harzheim, o despacho afirma que o termo se refere ao uso intencional da força, não sendo aplicável a todos os incidentes que ocorrem durante a gestação, parto ou puerpério.
Para o Ministério, a expressão é considerada “imprópria” pois, no atendimento à mulher, “tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”.
O despacho gerou reações em vários âmbitos. O Ministério Público Federal emitiu um parecer ontem (7/5) recomendando que o Ministério da Saúde se abstenha de realizar ações voltadas a abolir o uso da expressão “violência obstétrica” e que firme um compromisso para evitar toda e qualquer práticas agressivas contra a mulher durante o parto.
Resgatamos no Blog da Saúde, do próprio Ministério da Saúde, uma entrevista sobre violência obstétrica. Leia abaixo.
Você sabe o que é violência obstétrica?
Luíza Tiné / Blog da Saúde / Ministério da Saúde
Publicado em 24/11/2017 e atualizado em 16/04/18
Você sabe o que é violência obstétrica? Pois saiba que até mesmo muitas vítimas desse tipo de abuso também não. Esse tipo de violência pode ser física e/ou psicológica e atinge boa parte das mulheres e bebês em todo o país. Muitas dessas vítimas acabam ficando com sequelas . Algumas nem ao menos sobrevivem.
Mas o que pode ser entendido como violência obstétrica? O que deve ser feito para interromper esses episódios de maus tratos? O Blog da Saúde conversou sobre o assunto com a Ana Catarine Carneiro, assessora técnica da Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde. Confira:
1. O que é considerado violência obstétrica?
Resposta: A violência obstétrica é aquela que acontece no momento da gestação, parto, nascimento e/ou pós-parto, inclusive no atendimento ao abortamento. Pode ser física, psicológica, verbal, simbólica e/ou sexual, além de negligência, discriminação e/ou condutas excessivas ou desnecessárias ou desaconselhadas, muitas vezes prejudiciais e sem embasamento em evidências científicas. Essas práticas submetem mulheres a normas e rotinas rígidas e muitas vezes desnecessárias, que não respeitam os seus corpos e os seus ritmos naturais e as impedem de exercer seu protagonismo.
Exemplos:
– Lavagem intestinal e restrição de dieta
– Ameaças, gritos, chacotas, piadas, etc.
– Omissão de informações, desconsideração dos padrões e valores culturais das gestantes e parturientes e divulgação pública de informações que possam insultar a mulher
– Não permitir acompanhante que a gestante escolher
– Não receber alívio da dor
2. Quando é necessário fazer a epsiotomia e parto induzido?
Resposta: Procedimentos como indução do parto, episiotomia e até a cesariana devem ser bem indicadas, esclarecidas e respeitar a autonomia da mulher. Quando realizada de forma desnecessária e imposta também são considerados violência obstétrica. Procedimentos desnecessários, agressivos e invasivos, como dieta e até a cesariana quando imposta e desnecessária. Episiotomia é um trauma perineal e não existem evidências confiáveis que o uso indiscriminado ou rotineiro desta tenha um efeito benéfico para a mulher e o bebê , porém há evidências claras de que pode causar dano. Num parto, até então normal, pode ocasionalmente haver uma indicação para realizar a episiotomia quando o períneo apresenta pouca elasticidade, mas recomenda-se o uso limitado dessa intervenção. Outra indicação é quando da necessidade do uso de parto instrumental (vácuo-extrator ou fórceps) se não houver segurança quanto ao bem estar fetal ou prolongamento do segundo período.
3. Como e quando se deve fazer força durante o parto normal?
Resposta: Com relação a solicitar que a mulher faça força durante o parto não há evidencias científicas que apoie essa prática. No momento que a mulher sentir os puxos ela fará força de forma involuntária. A indução do trabalho de parto ocorre quando existe algum fator que necessite acelerar o início do trabalho de parto como, por exemplo, a ruptura precoce das membranas, neste caso é recomendado dentro das 24 horas após. Na maioria das vezes é realizado com medicamentos indutores.
4. Como evitar essa violência?
Resposta: O Ministério da Saúde institui a Rede Cegonha, inicialmente pela Portaria GM/MS n. 1.459 de 24 de junho de 2011 e mais recentemente pelas Portarias de Consolidação, cujo objetivo é a mudança do modelo de atendimento obstétrico buscando abolir as práticas violentas e vexatórias denominadas “violência obstétrica”. Para sua implementação, são realizados diversas formas de capacitações e incentivos. Em 2016, houve a publicação Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal, 2016, o objetivo é “sintetizar e avaliar sistematicamente a informação científica disponível em relação às práticas mais comuns na assistência ao parto e ao nascimento fornecendo subsídios e orientação a todos os envolvidos no cuidado, no intuito de promover, proteger e incentivar o parto normal”.
Em certo trecho destaca as mudanças que estão ocorrendo na atenção obstétrica: “Como resultado de pressões da opinião pública e consumidores de serviços de saúde, principalmente nos países mais desenvolvidos, assim como o surgimento de novas evidências científicas, a prática obstétrica tem sofrido mudanças significativas nos últimos 20-30 anos, com uma maior ênfase na promoção e resgate das características naturais e fisiológicas do parto e nascimento. Com isso, vários procedimentos hospitalares têm sido questionados pela carência de evidências científicas que os suportem, a existência de evidências que os contraindiquem e por trazerem desconforto à mulher”.
5. O que fazer caso a mulher sofra isso?
Resposta: Caso a mulher sofra violência obstétrica, ela pode denunciar no próprio estabelecimento ou secretaria municipal/estadual/distrital; nos conselhos de classe (CRM quando por parte de profissional médico, COREN quando por enfermeiro ou técnico de enfermagem) e pelo 180 ou Disque Saúde – 136.
6. O Ministério tem algum Guia de orientação sobre isso?
Resposta: O Ministério da Saúde institui a Rede Cegonha, pela Portaria GM/MS nº1.459 de 24 de junho de 2011, cujo objetivo é a mudança do modelo de atendimento obstétrico buscando abolir as práticas violentas e vexatórias denominadas “violência obstétrica”. Para sua implementação são realizados diversas formas de capacitações e incentivos. A portaria está disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html
Para o conhecimento da gestante, é fornecido a Caderneta da Gestante que contém informações sobre as boas práticas que devem ser realizadas no pré-natal, parto e puerpério.
A caderneta é entregue no primeiro atendimento da gestante no SUS e está disponível no link: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/marco/01/Caderneta-Gest-Internet.pdf
7. O que é parto humanizado?
Resposta: O parto humanizado pode ser normal, natural ou pode ser uma cesárea, por exemplo. Ser humanizado é respeitar a mulher, a pessoa como um ser com especificidades, é não aplicar métodos e padrões indiscriminadamente, individualizando a assistência para cada um, de acordo com a sua necessidade. É oferecer uma assistência personalizada, ouvir, escutar, atender, dentro do possível, as necessidades da mulher, os desejos dessa mulher.
O Ministério da Saúde lançou no início deste ano (2017) diretrizes de assistência ao parto normal, garantindo as gestantes um atendimento qualificado e humanizado. Agora, toda mulher terá direito de definir o seu plano de parto que trará informações como local onde será realizado, orientações e benefícios do parto normal. Essas medidas visam o respeito no acolhimento e mais informações para o empoderamento da mulher no processo de decisão ao qual tem direito. Assim, o parto deixa de ser tratado como um conjunto de técnicas, e passa a ser entendido como um momento fundamental entre mãe e filho. Com as diretrizes, o Ministério da Saúde pretende reduzir as altas taxas de intervenções desnecessárias como a episiotomia (corte no períneo), o uso de ocitocina (hormônio que acelera o parto), a cesariana, aspiração naso-faringeana no bebê, entre outras. Essas intervenções, deveriam ser utilizadas de forma parcimoniosa, apenas em situações de necessidade. Afinal, um parto bem sucedido deve considerar, sobretudo, os aspectos emocionais, humanos e culturais envolvidos no processo que deve, somente, “dar a luz”.
Fonte: Blog da Saúde
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