Uma megafesta com legado superestimado

Junho/2014

Marcos Cueto * | Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos
Rory Miller

Rory Miller

À luz dos holofotes, tudo é verde e amarelo, mas preparar a festa não é fácil nem barato. Para entender a complexa engrenagem econômica por trás das Copas do Mundo, o blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos entrevistou Rory Miller, professor de Negócios Internacionais da Escola de Administração da Universidade de Liverpool e co-fundador do MBA A Indústria do Futebol daquela universidade – programa que já gerou uma rede de mais de 400 formados que trabalham com esporte ao redor do mundo. Miller faz uma análise dos patrocinadores da Copa do Mundo, do poderio econômico da Fifa e das consequências do Mundial para o país-sede. Ele é co-editor do prestigioso Journal of Latin American Studies, editor do livro Football in the Americas: fútbol, futebol, soccer (Londres: Institute for the Study of the America, 2007) e autor de um dos capítulos do livro editado por Martín Monsalve, El fútbol como negocio: una introducción a la gestión deportiva en Europa y Brasil (Lima: Universidad del Pacífico, 2012). Quais as expectativas econômicas que países de renda média como o Brasil costumam ter ao sediar uma Copa do Mundo? Os economistas concordam que os benefícios econômicos de sediar um megaevento esportivo costumam ser superestimados pelos grupos interessados em promovê-los, sejam as consultorias que realizam os estudos de viabilidade, políticos ou federações nacionais que tentam convencer seus cidadãos de que sediar um evento desses é “algo bom”. Análises cuidadosas de custo-benefício mostram que poucos países conseguem efeitos duradouros ao sediar grandes eventos como a Copa do Mundo. Isso ocorre por uma série de motivos: vencer a concorrência para sediar tais eventos é custoso em termos de tempo e dinheiro; as federações dos países-sede ganham pouco com a Copa em comparação com a Fifa. Além disso, em muitos casos, os novos estádios construídos para atender às exigências da Fifa não sãos úteis depois da Copa. Stefan Szymanski, um renomado economista esportivo  da Universidade de Michigan, compara sediar um grande evento a oferecer uma festa. Ele afirma que é raro alguém enriquecer realizando festas. Na verdade, o anfitrião geralmente têm gastos consideráveis com a preparação do evento, precisa lidar com os bêbados, mediar conflitos desagradáveis e arrumar a bagunça deixada pelos convidados. Desse modo, é preciso considerar os benefícios obtidos de formas mais intangíveis: o evento pode contribuir para manutenção da imagem do país e das cidades-sede a longo prazo, atraindo novos investimentos. As melhorias no sistema de transporte podem beneficiar o povo após o evento, embora em países pobres a população geralmente não perceba muitas vantagens. O evento também faz com que a população se sinta mais confiante durante certo tempo, principalmente se o país-sede for campeão. As medalhas de ouro britânicas nas Olimpíadas de Londres de  2012 criaram um “bem estar” que durou alguns meses. Mas os Jogos Olímpicos contribuíram para a economia da Grã-Bretanha? Isso é bastante questionável. De fato, trouxeram investimentos para Londres às custas de todos no país, e esse é um problema que costuma se repetir em outros lugares. Países ricos do primeiro Mundo que já contam com boas instalações, precisando apenas de melhorias, conseguem arcar com eventos como a Copa do Mundo. Países mais pobres que precisam começar do zero não conseguem, mas os políticos e delegados parecem não ligar para tal fato diante da possibilidade de passar um mês sob os holofotes do mundo. Quais são os principais interesses financeiros e instituições por trás das últimas Copas do Mundo?        
Futbolbook

Rory Miller é autor de um dos capítulos do livro “El fútbol como negocio: una introducción a la gestión deportiva en Europa y Brasil” (Universidad del Pacífico, Lima, 2012)

Há diversos interesses comerciais, de consultorias a sites de apostas. Talvez seja mais fácil entender essas empresas como círculos concêntricos, com a Fifa no centro. Em primeiro lugar, é preciso considerar a Fifa, seus seis principais parceiros comerciais e as empresas de mídia que compram os direitos de transmissão. Na Copa do Mundo de 2010, a Fifa ganhou aproximadamente US$ 3,7 bilhões, dos quais cerca de US$ 2,4 bilhões vieram da venda de direitos de mídia e US$ 1 bilhão foram arrecadados com marketing. Tal montante é vital para os próximos quatro anos da Fifa, já que a federação praticamente não organiza outras competições que geram receita. O dinheiro obtido com a Copa do Mundo precisa financiar o secretariado da Fifa em Zurique, todos os departamentos da federação, que lidam com questões como arbitragem e registros de jogadores, além de um programa internacional para o fomento do esporte nos países em desenvolvimento. Os seis parceiros comerciais mais importantes – atualmente Visa, Hyundai, Coca-Cola, Adidas, Sony e Emirates – e os patrocinadores secundários, como a Budweiser e o McDonald’s, tentam “otimizar” o patrocínio para extrair o máximo de benefício. Ao mesmo tempo, os canais de televisão que exibem o campeonato correm atrás do lucro obtido com assinaturas e publicidade. Há muitos outros interesses que se beneficiam indiretamente da Copa do Mundo sem pagar nada à Fifa pelo privilégio. Os jogadores costumam ter um aumento no valor do passe, do salário e dos bônus quando fazem uma “boa” Copa do Mundo. Para muitos jogadores de países menos conhecidos, um bom desempenho nas fases finais pode gerar uma transferência lucrativa para algum grande time europeu. Os jogadores que se destacam também se beneficiam ao renovar contratos com fabricantes de chuteiras e podem lucrar a longo prazo com os direitos de imagem. Empresas como a Nike e a Puma, apesar do grande gasto com equipamentos para as 32 seleções (estimados em US$ 400 milhões para a Copa de 2014) lucrarão muito com a venda de camisas e outros tipos de merchandising das nações competidoras. A venda de camisas oficiais ultrapassou os US$ 30 milhões em 2010, e provavelmente será ainda maior em 2014. Essas empresas costumam fazer grandes campanhas de marketing com as seleções ou os jogadores que patrocinam, tentando levar vantagem sobre a Adidas, a parceira oficial da Fifa. As empresas que não são parceiras oficiais da Fifa, como a Nike, investem pesado em propagandas criativas para tirar vantagem do evento. Todos lembram das meninas de uniforme colado fazendo propaganda da cerveja Bavaria no jogo entre Holanda e Dinamarca na Copa de 2010, ou da comemoração do gol de Niklas Bendtner na Eurocopa de 2012, quando ele anunciou um site de apostas. Nesta Copa, certamente veremos outras propagandas virais interessantes e outras tentativas de ”marketing de emboscada”. Por fim, milhares de empresas, consultorias, empreiteiras, cadeias de hotéis e agências de viagens, se beneficiam diretamente do evento. No entanto, há evidências de que um grande evento esportivo apenas substitui os turistas que o país já recebe. Assim, o benefício de longo prazo precisa vir de investimentos públicos em áreas como transporte, que melhoram a vida do cidadão comum. Quanto a outros interesses que também lucram com o evento, devemos considerar os sites de apostas, provedores de internet e fabricantes de softwares, as áreas que mais cresceram dentro do futebol nos últimos dez anos. Como a Fifa chegou ao poder econômico que detém hoje em dia?  O verdadeiro poder econômico da Fifa remonta a 1974, quando João Havelange substituiu o inglês Sir Stanley Rous na presidência da federação, ao conseguir os votos de países recém-independentes da Ásia e da África, e também das nações que fazem parte da Conmebol. Essa mudança de poder coincidiu com o desenvolvimento dos métodos modernos de marketing e patrocínio, com a ampla difusão da TV em cores e da transmissão ao vivo via satélite. Para muitos torcedores, a Copa de 1970, no México, foi a primeira que assistiram ao vivo e em cores, e o interesse no evento também pode ser atribuído ao sucesso de uma das seleções mais incríveis que o Brasil já teve: o “time dos sonhos” de Pelé, Gerson, Jairzinho e Rivelino. É interessante compararmos fotografias do Estádio Azteca, no México, das finais de 1970 e 1986 para percebermos as diferenças comerciais. Em 1970, as placas de publicidade dentro do campo eram poluídas, amadoras e não contavam com grandes marcas. Já em 1986, marcas globais como Camel, Canon, Seiko, Fuji, Philips e Gillette aparecem nítidas nas fotos atrás de Maradona. Foi nessa época também que os clubes começaram a exibir os patrocinadores nas camisas de suas seleções. É claro que a internet intensificou a revolução iniciada pela TV em cores e, depois, pelas plataformas de exibição por cabo e satélite. Sem o interesse da mídia e sem um público global, o valor dos patrocínios não seria o mesmo, seja na Copa do Mundo, nos campeonatos europeus, na Copa da Uefa ou na Libertadores. Tais patrocínios tampouco chegariam a clubes internacionalmente conhecidos, como o Boca Juniors, Corinthians, Barcelona e Arsenal. O futebol é  praticamente uma força única em termos de apelo entre homens de 15 a 35 anos, atingindo todos os países e classes sociais. Assim, os anunciantes precisam desembolsar grandes montantes por um espaço publicitário para atingir tal público. No caso da Copa do Mundo, o valor do espaço publicitário aumenta ainda mais devido ao apelo do evento entre outros grupos, inclusive as mulheres, que normalmente não assistiriam a um jogo de futebol na  televisão. * Marcos Cueto é editor científico da revista História, Cências, Saúde – Manguinhos (Tradução de Vivian Mannheimer. Edição de Vivian Mannheimer e Marina Lemle) Entrevista em inglês: Mega event, overrated legacy According to Rory Miller, professor of the MBA Footbal Industries at the University of Liverpool in the United Kingdom, few countries secure a lasting positive legacy by hosting big sports events. Leia também no blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos: ‘A Copa é o melhor momento de expressar o inconformismo com as nossas insatisfações’ Para o jogador e médico Afonsinho, o Brasil não está aproveitando uma oportunidade extraordinária ‘Uma Copa não tem a força necessária para mudar um país’ Para o antropólogo alemão Martin Curi, os brasileiros alimentaram esperança demais, e o legado possível restringe-se à venda de uma imagem positiva do Brasil ‘O x da questão não está na reação do jogador, mas no teor da campanha’ Para Clícea Maria Miranda, associação do negro com animalização e a irracionalidade está cristalizada. Macacos não jogam futebol Ricardo Waizbort inocenta Darwin de acusações de racismo e explica que ele defendia que todas as “raças” humanas faziam parte de uma mesma espécie e compartilhavam um ancestral comum: um primata. Na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos: Formação de relações regionais em um contexto global: a rivalidade futebolística entre Rio de Janeiro e São Paulo durante a Primeira República – Artigo de Christina  Peters (vol. 21, n.1,  jan.-mar. 2014) Leia também: Qual será o legado deixado pela Copa? – O preço que se paga por sediar o megaevento foi tema da reportagem de capa da Revista Radis de junho.  Legado também é tema do Blog Saúde em Pauta. Arquivo Nacional em ritmo de Copa Exposição virtual Drama e Euforia: o Brasil nas Copas de 50 a 70 traz fotos do Correio da Manhã e da Agência Nacional Professores do CPDOC publicam em Londres livro sobre relações entre o Brasil e o futebol Paulo Fontes e Bernardo Buarque de Hollanda lançam em Londres The Country of Football: Politics, Popular Culture, and the Beautiful Game in Brazil. ‘O Maraca é nosso’? Bernardo Buarque de Hollanda e Jimmy Medeiros apresentam os resultados de uma pesquisa sobre a percepção das torcidas do Rio do novo Maracanã. Exemplo: quanto mais velho o torcedor, mais ele aprova o estádio remodelado. Como citar este post [ISO 690/2010]: Uma megafesta com legado superestimado. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. [viewed 27 June 2014]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/uma-megafesta-com-legado-superestimado/