Editores britânicos e latinos discutem financiamento e acesso aberto a revistas científicas

Julho/2016

Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos

Como se sustenta uma revista científica? Se a tarefa não é fácil nem para publicações que cobram acesso ao conteúdo, que dirá para revistas de acesso aberto. Os desafios do financiamento foram um tema muito discutido no workshop Desafios de revistas interdisciplinares: experiências do Reino Unido, Brasil e América Latina em história, ciências sociais e humanidades, realizado de 22 a 24 de junho na Fiocruz, no Rio.

Jaime Benchimol, André Felipe Cândido da Silva, Paulo Drinot e Gabriela Bortz. Foto de Roberto Jesus Oscar/COC/Fiocruz

Jaime Benchimol, André Felipe Cândido da Silva, Paulo Drinot e Gabriela Bortz. Foto de Roberto Jesus Oscar/COC/Fiocruz

O acesso aberto é bem mais comum na América Latina do que na Europa e nos EUA, onde a maioria dos periódicos científicos são fechados e encarados como um modelo de negócio. Segundo Paulo Drinot, editor do Journal of Latin American Studies, na Grã Bretanha predomina uma política conservadora de mercado, apesar de haver pressão dos anunciantes para se abrir o acesso. Ele contou que a sua publicação não tem acesso aberto, mas, se o autor pagar, o artigo pode ser disponibilizado ao público, o que o ajudaria a cumprir a exigência das agências de fomento de distribuição dos resultados da pesquisa.

O Bulletin of Latin American Research, periódico britânico vinculado à Sociedade para Estudos Latino-Americanos, também restringe seu conteúdo ao público pagante. Segundo o editor Matthew Brown, o acesso aberto geraria disputas financeiras com a manutenção de outras atividades da Sociedade, como a concessão de bolsas de estudos. Em contrapartida, explicou, a revista é distribuída gratuitamente em países latinos mais carentes, como Bolívia e Haiti.
Para Paulo Drinot, o próprio acesso aberto não seria igualitário, ao não deixar claro quem deve pagar pelo serviço: o autor, o leitor ou a revista.

Na opinião de Jaime Benchimol, editor de História, Ciências, Saúde – Manguinhos durante 20 anos, o financiamento cabe ao estado. Ele explicou que no Brasil o estado tem presença forte, o que se reflete nas revistas científicas. O historiador defendeu que se faça um esforço de mobilização de periódicos para que as agências de fomento e as universidades coloquem em seus orçamentos uma cláusula de financiamento dos periódicos.

Marcos Cueto, atual editor de HCS-Manguinhos, destaca que no Brasil existe a ideia de que o conhecimento científico é público e deve ser compartilhado. “A valorização das revistas, com o aumento de seus orçamentos para garantir sua qualidade acadêmica, é uma questão da maior importância política para a democracia dos países do Sul”, enfatizou.

Na Argentina, desde 2013 uma política científica considerada inovadora prevê que toda pesquisa financiada com fundos públicos deve estar disponível num repositório de acesso aberto, e não limitada à publicação em revistas de acesso fechado. Editora do periódico argentino Eä – Revista de Humanidades Médicas, Gabriela Bortz abordou a difícil a busca por sustentabilidade das revistas científicas e contou ao público os impasses que teve ao procurar patrocínio para a sua publicação.

Para Benchimol, a luta por melhor financiamento público é mais viável do que a luta pelo patrocínio privado. Ele contou que a captação de doações para HCS-Manguinhos foi tentada, mas não funcionou.  Diante da crise, ele vê como saída a médio e longo prazo o fortalecimento do portal de acesso aberto SciELO, mantido pela Fapesp. “O SciELO é a grande alavanca e ferramenta para sobrevivermos no universo da comunicação científica”, afirmou.

Lançada em 1994, HCS-Manguinhos sempre disponibilizou seu conteúdo online, mas a entrada no SciELO, em 2000, foi um marco para a revista. A ferramenta potencializou seu alcance e, nos sete anos seguintes, o número de acessos cresceu mais de 500 vezes, impondo a necessidade de ajustamento a um modo de produção mais profissional e trazendo desafios de internacionalização.

Diante do questionamento de se parar de produzir versões impressas das revistas seria uma solução para equilibrar os custos de uma revista, o também editor de HCS-Manguinhos André Felipe Cândido da Silva contou que existe uma rede de instituições, principalmente no Nordeste do Brasil, que ainda justifica a impressão de exemplares. “A dimensão de interiorização é muito interessante”, afirmou.

Na mesa “Novas e antigas preocupações de autores, editores e pareceristas”, Nelson Sanjad, editor adjunto de HCS-Manguinhos, destacou a necessidade de se ter uma política editorial muito clara e bem definida, uma equipe profissional, processos e serviços editoriais claros e transparentes e uma comunicação eficiente com autores e pareceristas. “Bons serviços para bons artigos”, resumiu.

Ele descreveu para o público o cenário de grandes incertezas no qual estão inseridas as revistas científicas: instabilidade e fragilidade de políticas públicas, falta de independência política e de autonomia editorial e a dificuldade de ter uma equipe editorial multidisciplinar, composta por profissionais com diferentes especialidades. Sanjad enfatizou a responsabilidade do editor na condução da revista e dos debates que ela gera e lamentou que muitos acabem virando gestores de processos.

Publicamos nos blogs de HCS-Manguinhos em português e em espanhol e inglês a cobertura do workshop realizado neste inverno de sol e frio no Rio de Janeiro. Confira nos links abaixo.

Leia no Blog de HCS-Manguinhos:

Divulgar é preciso: lugar de ciência é na rede social
Em workshop na Fiocruz, editores brasileiros expuseram suas experiências de uso de novas mídias na divulgação científica
‘Internacional não é colonizado’
Em workshop sobre revistas interdisciplinares na Fiocruz, Regina Horta, editora da Varia Historia, discute com editores estrangeiros a internacionalização dos periódicos científicos
Para acelerar a comunicação científica, adiós ineditismo
Em workshop na Fiocruz, Abel Packer, coordenador do SciELO, defendeu as publicações individuais de artigos antes do lançamento das revistas e em repositórios para revisão por pares
Do mimeógrafo às redes sociais, um caminho de acesso aberto
Editor de História, Ciências, Saúde – Manguinhos por mais duas décadas, o historiador Jaime Benchimol participou de workshop sobre revistas interdisciplinares na Fiocruz
Editores debatem desafios de periódicos interdisciplinares
Workshop realizado na Fiocruz, no Rio, foi promovido por HCS-Manguinhos e Journal of Latin American Studies com apoio da British Academy
Los desafíos actuales de las publicaciones científicas
El objetivo del workshop fue proporcionar el intercambio de experiencias y ideas para enfrentar los desafíos.
The Brexit and its consequences for science
Mathew Brown, co-editor of Bulletin of Latin American Research analyzes the consequences of this exit for science and the academic community.

Leia em Ciência em Revista:
Revistas das ciências humanas sob pressão para internacionalizar seus conteúdos
Acesso aberto de revistas científicas é cada vez mais desejado, mas esbarra em desafios relativos ao financiamento
Produtivismo acadêmico traz novas demandas para as revistas científicas
Divulgação científica é estratégia para visibilidade de revistas interdisciplinares

Como citar este post:
Editores britânicos e latinos discutem financiamento e acesso aberto a revistas científicas. Blog de HCS-Manguinhos. [viewed 7 July 2016]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/editores-britanicos-e-latinos-discutem-financiamento-e-acesso-aberto-a-revistas-cientificas/