Antropólogos discutem a judicialização do direito à saúde

Maio/2016

Sete crianças em um quarto de hospital recebendo medicação intravenosa. Seus pais não saem de perto, batendo papo entre si e com os médicos que entram e saem. Toda semana esses pais trazem seus filhos, portadores de uma doença chamada mucopolissacaridose (MPS), à Unidade de Pesquisa do Hospital Universitário de Porto Alegre, RS, onde recebem a terapia de reposição enzimática, que custa até duzentos mil dólares por ano por paciente.

Estima-se que uma em cada 25 mil pessoas sofra de distúrbios de MPS, que costumam se manifestar na infância e se caracterizam por deformidades no esqueleto e nas juntas, crescimento atrofiado e mudanças faciais causadas pelo acúmulo de mucopolissacarídeos no osso de sustentação facial. A MPS ocasiona deficiências neurológicas, cardiovasculares e respiratórias, aumento do fígado e do baço e perda de audição. Os casos mais graves são fatais nos primeiros dez anos de vida. Os moderados podem implicar um tempo de vida normal, embora com taxa de morbidade relativamente alta. Não existe cura, mas as terapias de reposição enzimática têm-se mostrado eficazes na redução de alguns sintomas, melhorando a qualidade de vida e, em alguns casos, prolongando o tempo de vida.
Todas as crianças com MPS que se encontram nesse quarto são pacientes litigantes. Seus pais estão processando o governo para que recebam tratamento pelo resto da vida.

Entre 2008 e 2011, os pesquisadores João Biehl e Adriana Petryna, respectivamente das universidades de Princeton e da Pensilvânia, nos EUA, conversaram com diversos atores envolvidos nessa prática nova e cada vez mais onipresente de ações judiciais contra o Estado para ter acesso a tratamentos médicos, um fenômeno conhecido como a “judicialização do direito à saúde”.

João Biehl (sentado) e Adriana Petryna (à direita), a assistente de pesquisa Roberta Grudzinski (centro), Alexandre (sentado), de 12 anos, que sofre de MPS, e sua mãe, Cleonice Lima de Moura (esquerda). A família ganhou liminar que obriga o governo federal a pagar US$ 200 mil por ano para tratamento. Foto reproduzida do site da Universidade de Princeton

Alexandre, que tem MPS, e sua mãe, Cleonice Lima de Moura (esq), recebem em casa os pesquisadores João Biehl, Adriana Petryna (dir) e Roberta Grudzinski (centro). Foto: site da Universidade de Princeton

Biehl e Petryna publicaram em HCS-Manguinhos o artigo Tratamentos jurídicos: os mercados terapêuticos e a judicialização do direito à saúde, que descreve o estudo que fizeram em torno da luta de pais para que filhos portadores de mucopolissacaridose tenham acesso a medicamentos caros, em nome do direito universal à saúde.

“O trabalho explora como, no Brasil, o litígio pelo direito à saúde tornou-se um caminho alternativo de acesso à saúde e evidencia a disputa de diferentes atores dos setores público e privado no processo de judicialização da saúde. Entende-se, portanto, que a biotecnologia recria valores humanos e mundos locais à medida que abre novos espaços de problematização ética, desejo e pertencimento político”, afirmam os autores.

O artigo está publicado na atual edição de HCS-Manguinhos (vol. 23, n.1, jan./mar. 2016), que trata da biomedicalização dos corpos brasileiros.

Leia em HCS-Manguinhos:

Tratamentos jurídicos: os mercados terapêuticos e a judicialização do direito à saúde, artigo de João Biehl e Adriana Petryna (vol.23, n.1, jan/mar 2016)

Leia no blog de HCS-Manguinhos:

Biomedicalização de corpos brasileiros
Nova edição de HCS-Manguinhos aborda diagnósticos, tratamentos e práticas que transformam vidas, sobretudo de mulheres

Como citar este post:
Antropólogos discutem a judicialização do direito à saúde. Blog de HCS-Manguinhos. [viewed 28 fev 2019]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/antropologos-discutem-a-judicializacao-do-direito-a-saude/