Em outubro de 1884, quarenta delegados de 25 países do mundo da diplomacia e da ciência se reuniram em Washington para fazer um novo acordo entre nações sobre o meridiano de longitude zero e começar a contagem do tempo a partir de um ponto comum.
O delegado norte-americano, o astrônomo Lewis Rutherfurd, propôs Greenwich como meridiano zero, mas o delegado da França, o cônsul-geral Albert Lefaivre, levantou-se contra a decisão, propondo um meridiano absolutamente neutro, sem marca nacional, nem na Europa nem nos Estados Unidos.
As posições favoráveis a Greenwich, defendidas principalmente pela Grã-Bretanha e pelos EUA, reiteravam os argumentos utilitários, como de que a maior parte da frota mundial já navegava pelo meridiano inglês. A França defendia o meridiano da ilha de Ferro, por razões históricas, mas eles mesmos reconheciam que era um meridiano francês disfarçado pelo fato de o geógrafo Guilherme Delisle ter arredondado o meridiano da ilha do Ferro para 20º oeste do Observatório de Paris, pois na ilha de Ferro não havia observatório. A própria delegação francesa sabia que isso enfraqueceria a escolha daquele meridiano como absolutamente neutro e também defendia um meridiano neutro que não passasse por regiões densamente povoadas, ainda não especificado.
Em carta ao imperador Pedro II, Luiz Cruls, representante do Brasil naquela conferência e diretor do Observatório Imperial do Rio de Janeiro, escreveu sobre a dinâmica da conferência; segundo sua opinião, aquela não teria uma conclusão satisfatória se grandes nações marítimas não chegassem a uma adesão unânime.
O Brasil fazia uso de três meridianos: o principal, o do Rio de Janeiro, para a confecção dos mapas nacionais; o de Paris, na sua navegação costeira; bem como os trabalhos do Coast and Geodetic Survey americano na determinação de longitude por telegrafia. Dessa forma, o Brasil estaria preparado para qualquer resultado do congresso.
Em 1885, em um periódico de geografia, Cruls explicitou sua posição em relação a um ideal de neutralidade, e confessou que se admirou de que numa assembleia que “contava com tantos sábios e homens teóricos eminentes, foi o lado utilitário da questão que ditou as resoluções tomadas”. Ele se absteve na votação sobre a adoção do meridiano de Greenwich, porque contrariaria os paradigmas da neutralidade da ciência. Na sua opinião, aquela linha não poderia dividir continentes densamente povoados.
A solução do problema para Cruls seria retornar aos antigos, como Marino de Tyro e Ptolomeu, com alguma modificação, ou seja, colocar o meridiano pelo lado dos Açores. Ou lançá-lo em uma ilha no oceano que separa a Ásia da América “onde o novo mundo dá a mão ao antigo”. Mas Cruls teria recebido instruções de Pedro II para acompanhar o voto francês naquele congresso.
Em artigo na atual edição de HCS-Manguinhos, Moema Vergara, pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins, traz fontes inéditas sobre o tema, como cartas trocadas por Luiz Cruls com o imperador e sua esposa, bem como notícias de periódicos, anais e relatórios.
Leia em HCS-Manguinhos:
Astronomia no Império brasileiro: longitude, congresso internacional e a busca por uma ciência universal no final do século XIX, artigo de Moema Vergara (v. 26, n.1, jan./mar. 2019)