Atenção Primária à Saúde com progresso social

Dezembro/2015

Capa de HCS-Manguinhos (vol.22, n.4, out./dez. 2015). Intervenção artística em ilustração da Colônia de Férias Chapadmalal, Argentina, 1947.

O aniversário de 37 anos de um dos documentos mais importantes da história da saúde pública internacional – a Declaração de Alma Ata, que trata da Atenção Primária à Saúde (APS), é o destaque da Carta dos Editores Marcos Cueto e André Felipe Cândido da Silva deste número de HCS-Manguinhos (vol.22, n.4, out./dez. 2015).

Entre 6 e 12 de setembro de 1978, mais de três mil delegados de diferentes países se reuniram numa conferência organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Alma Ata, cidade na ex-URSS, para discutir e aprovar a APS.

A APS inspira a proposta de cobertura de saúde universal promovida nos últimos dez anos pelo Banco Mundial e outras agências. Está associada à modernização dos cuidados de saúde primários, à destinação de mais recursos para a saúde em zonas marginais urbanas e rurais, ao recrutamento de agentes comunitários de saúde, ao acesso universal aos serviços básicos de saúde e a uma maior ênfase na prevenção de doenças, geralmente menos contemplada nos orçamentos de Saúde do que o tratamento dos pacientes.

Os editores ressaltam que a conotação política transformadora da APS acabou se diluindo no contexto conservador e neoliberal que prevaleceu a partir da década de 1980. Alguns documentos internacionais, como a Carta de Ottawa, de 1986, e publicações produzidas entre 2005 e 2008 pela Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde, buscaram defender e revitalizar o sentido político original da APS, propondo que a APS fosse o centro de um programa de desenvolvimento socialmente inclusivo nos países em desenvolvimento e uma ferramenta para a construção de sociedades mais equitativas e solidárias em países industrializados.

Estes documentos também incitavam profissionais de saúde a tornarem-se agentes de mudança e de progresso social, articulando, junto com sindicatos, líderes comunitários e ONGs progressistas, demandas e soluções para resolver a injustiça social, a discriminação e a pobreza. Para os defensores desta abordagem holística, a APS não poderia resignar-se a uma política tecnocrática que fazia parte do modelo de sociedade que promovia políticas neoliberais, isto é, uma sociedade com menos governo e menos serviços sociais e com uma saúde pública para os mais pobres entendida como um paliativo para a pobreza.

Este ponto de vista defendia a APS como parte de uma reforma ou mesmo uma revolução social. No entanto, uma discussão profunda e explícita da dimensão política da APS nunca aconteceu e ainda está pendente. “Podemos retomar este debate nos próximos anos? Tomara”, afirmam os editores. Para eles, os cortes nos sistemas de saúde nos países ricos, de renda média e baixa, bem como os consequentes protestos, dão esperança de que avance a versão mais progressiva e menos tecnocrática da APS.

Na Carta, Cueto e Cândido da Silva expressam também grave preocupação e forte protesto contra os cortes drásticos de apoio financeiro de agências federais, como o CNPq, às revistas brasileiras. “É um corte sem precedentes, que retardará o crescimento, a modernização e a visibilidade nacional e internacional que as revistas estavam alcançando”, afirmam.

Apesar destas dificuldades, os editores contam que História, Ciências, Saúde – Manguinhos continua avançando em seu reconhecimento internacional. Recentemente, o Comitê Científico Assesor do Sistema de Informação Científica Redalyc – uma importante rede de revistas científicas da América Latina e do Caribe, Espanha e Portugal sediada no México  – informou  que a revista será parte de sua coleção. Além disso, a revista ganhou uma proposta para a British Academy, em conjunto com o Journal of Latin American Studies, para investigar os desafios de periódicos acadêmicos de história, ciências humanas e sociais no século XXI. Como parte deste programa, estamos preparando um workshop de editores e membros do conselho editorial de revistas britânicas, brasileiras e de outros países latino-americanos em meados de 2016. O evento será anunciado em breve no Blog e no Facebook da revista. Os editores ressaltam que o sucesso deste projeto não teria sido possível sem a valiosa contribuição de Paulo Drinot, coeditor do Journal of Latin American Studies e editor associado de HCS-Manguinhos.

Leia a Carta dos Editores em inglês ou espanhol.
Acesse o sumário da edição (vol.22, n.4, out./dez. 2015)

Como citar este post [ISO 690/2010]:
Atenção Primária à Saúde com progresso social. Blog de HCS-Manguinhos. [viewed 8 December 2015]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/pela-retomada-do-debate-sobre-atencao-primaria-a-saude-com-progresso-social