Selvagens e confinados: uma história dos zoológicos colombianos

Março/2022

Bogotá, a capital do terceiro país da América Latina em população, não tem e nunca teve um zoológico,
apesar de ter tentado várias vezes. Somente até 1975, Gonzalo Chacón, zootécnico apaixonado por animais, estabeleceu um pequeno zoológico, que chamou de Santa Cruz, a uma hora ao sul da cidade. Animais nativos acabaram enjaulados após encontros com humanos, intensificados pela expansão da fronteira agrícola.

No artigo “Selvagens e confinados: uma história dos zoológicos colombianos e suas revelações sobre os destinos de animais e entrelaçamentos do Estado, décadas de 1930 a 1990“, publicado no número especial sobre a história das relações entre animais lançado pela revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 28, supl., dez/2021), a geógrafa Claudia Leal, professora da Universidad de los Andes, Bogotá, Colômbia, reconstrói a história de três dos principais zoológicos de seu país.

O artigo, uma das poucas contribuições à história dessas instituições na América Latina, propõe que nos zoológicos dessa região predominavam animais nativos, indício da crescente transformação de florestas e outros ecossistemas nativos em terrenos agrícolas e pastos, assim como do gradativo distanciamento entre pessoas e natureza. O texto nos estimula a refletir sobre a relação de nossas sociedades com o mundo natural e também sobre algumas limitações dos processos de formação do Estado no período de maior crescimento dos Estados latino-americanos.

Tanto Santa Cruz quanto Santa Fé, o zoológico de Medellín (segunda cidade da Colômbia), que abriu suas portas ao público em 1960, fazem parte do que poderíamos chamar de segunda grande onda de criação de zoológicos na região. A primeira começou no final do século XIX com a criação do Zoológico de Buenos Aires e durou até o século XX.

Nesse primeiro período, os países mais ricos da América Latina e seus principais centros urbanos estabeleceram jardins zoológicos para celebrar suas conquistas. Com sua modernização tardia, a Colômbia – como outros países e muitas cidades da região – teve que esperar algumas décadas para fazer parte dessa tendência. Os zoológicos colombianos eram instituições bastante pobres, ansiosas por exibir elefantes e girafas, mas povoadas principalmente por animais deslocados de florestas nativas que estavam sendo derrubadas. Eles também foram, em sua grande maioria e ao contrário de seus antecessores, produto de esforços privados. Os limites do Estado colombiano, bem como das administrações locais, eram incapazes de dotar as cidades desses símbolos de desenvolvimento urbano. Santa Fé e Santa Cruz revelam estratégias, também implantadas em outras áreas, utilizadas para cumprir responsabilidades consideradas estatais.

Já o famoso zoológico da Hacienda Napoles, do narcotraficante Pablo Escobar, é uma exceção, que é ao mesmo tempo uma versão extrema das tendências típicas dessa história. Ao contrabandear animais exóticos – como rinocerontes, búfalos e hipopótamos – que ele libertou nas pastagens de sua fazenda, Escobar ultrapassou tanto as elites, que haviam estabelecido zoológicos algumas décadas antes, quanto o estado que não conseguia nem cuidar deles.

Leia na revista HCS-Manguinhos:

Selvagens e confinados: uma história dos zoológicos colombianos e suas revelações sobre os destinos de animais e entrelaçamentos do Estado, décadas de 1930 a 1990, artigo de Claudia Leal (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 28, supl., dez/2021)

Acesse integralmente o número especial sobre relações entre animais da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 28, supl. dez/2021)

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