Química só para meninos?

Outubro/2022

A.C. Gilbert n.1 “Chemistry outfit for boys”, 1943 (Science History Institute, Philadelphia)

Do fim do século XIX até pelo menos 1958, os conjuntos científicos de química de brinquedo estampavam em suas capas ilustrações de meninos e rapazes entretidos com tubos, reagentes e outros itens de laboratório. Este marketing das empresas ajudou a criar padrões de conduta que privilegiavam induzir crianças do gênero masculino à vocação profissional do “ser cientista”.

No artigo As imagens dos conjuntos científicos de química: dominância masculina nas representações sobre a ciência, a pesquisadora Katya Braghini, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, analisou ilustrações dos conjuntos de química lançados pelas empresas Gilbert, em 1920, e Chemcraft, em 1922, presentes no acervo da Chemical Heritage Foundation (EUA).

“As ilustrações dos conjuntos de química são carregadas de significados masculinizados sobre a ciência, indicando um elemento na retórica da histórica da química, que na forma de marketing, relaciona a ciência ao passatempo de meninos, pautando a organização social do gênero masculino como dominante para este tipo de brincadeira, tanto no espaço doméstico, quanto na difusão de trajetórias de futuro, quando se pensa na gerência da vida profissional, espaço este que, no plano do costumes, não serviria às mulheres, dada a ausência de representações femininas neste universo”, explica a autora do estudo.

Chemcraft chemical outfit n.1, 1917 (Science History Institute, Philadelphia)

Os conjuntos de química da Gilbert e da Chemcraft foram ícones neste mercado por toda a primeira metade do século XX. Segundo a pesquisa, as empresas criavam diferentes estratégias de atração para as vendas dos brinquedos, comercializando valores sobre a ciência vinculados, progressivamente, à mágica, à profissionalização e a um mundo novo, repleto de tecnologia, adequado à trajetória de vida de meninos.

A pesquisa cria um paralelo com a história das mulheres na ciência, abrindo e encerrando o trabalho com a problematização da presença, permanência, ausência e apagamento das mulheres ao longo do processo histórico de profissionalização da ciência. O artigo está publicado no dossiê “Cultura material de la ciencia Iberoamericana: museos, jardines y gabinetes científicos”, publicado na atual edição da revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos (v. 29, n. 3, jul-set/2022).

Gilbert Lab Technician Set for Girls. Photograph, 2017. Science History Institute. Philadelphia.

O primeiro conjunto de laboratório encontrado em que as meninas são ativas participantes dos experimentos foi o Gilbert Lab Technician Set for Girls, de 1958. Na capa, duas meninas trabalham. Uma adolescente está observando uma lâmina por um microscópio, acompanhada por outra jovem mais velha. A ilustração é composta por diferentes matizes de cor-de-rosa em tons pastéis.

“Historicamente, essa ilustração marca a presença das jovens como técnicas de laboratórios, o que significa a tentativa de antropologicamente definir qual era a posição das mulheres no jogo das hierarquias de laboratórios. Em um primeiro momento, o que está focalizado é uma condição subalterna das jovens na atividade laboratorial, relegadas a uma atividade de segundo plano”, comenta a autora no artigo.

Leia na revista HCS-Manguinhos:

 As imagens dos conjuntos científicos de química: dominância masculina nas representações sobre a ciência, artigo de Katya Braghini (História, Ciência, Saúde – Manguinhos, v. 29, n. 3, jul-set/2022)