Márcia Regina Barros da Silva: profissionais da história da ciência, com múltiplas formações, devem ser estimulados

O blog da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos está ouvindo pessoas ligadas à área de história para registrar a diversidade de visões acerca do Projeto de Lei 4699/12, que regulamenta a profissão de historiador.

A presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), Márcia Regina Barros da Silva, professora do Departamento de História da USP, respondeu as nossas perguntas.

Marcia Regina Barros da Silva

Marcia Regina Barros da Silva

Qual o posicionamento da entidade com relação ao Projeto de Lei 4699, que regulamenta a profissão de historiador, em tramitação na Câmara dos Deputados?

A Sociedade Brasileira de História da Ciência – SBHC – já se posicionou criticamente em relação ao Projeto de Lei desde que tomou conhecimento do seu conteúdo e tem enviado documentos manifestando sua preocupação com os possíveis desdobramentos do Projeto, caso ele seja aprovado como está. Nossa intenção não é recusar todo o Projeto de Lei, mas chamar atenção para as dificuldades que ocorrerão no que se relaciona ao exercício formal da pesquisa e da docência para aqueles integrados à área da história das ciências e outras áreas disciplinares semelhantes na sua organização profissional.

Quais são os pontos críticos do Projeto?

O Projeto prevê restrições de exercício profissional junto a estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior a todo aquele que não seja portador de diploma de historiador. Nosso questionamento se refere exclusivamente aos professores e pesquisadores de nível superior, já que a história da ciência é uma especialidade exercida em grande parte, mas não exclusivamente, por pessoas que tiveram formação superior, mas em outras áreas do conhecimento que não a da história. Esse formato por sua vez faz parte da própria história da especialidade, que nasceu como um interesse de cientistas de diversas áreas pela história das suas profissões. A partir daí cresceu a percepção de que as ciências e as tecnologias são parte importante da História do Brasil e por isso devem ser estudadas. Como tal as ciências têm sido cada vez mais tema de teses e dissertações, também de historiadores diplomados. Para se ter uma ideia, o primeiro livro escrito sobre a história das ciências brasileiras foi organizado por um sociólogo e educador, Fernando de Azevedo, em 1956. Claro também que análises sobre o lugar das ciências para entender, avaliar e propor projetos para o país existe desde muito tempo antes; ilustrados como José Bonifácio de Andrada e Silva, que além de homem público era naturalista, pesquisando principalmente nas áreas da mineralogia e agricultura, dizia: “Desde que eu comecei a pensar que as ciências eram um emérito fútil, quando não se aplicavam ao bem público, não pude deixar de espantar-me vendo o desleixo dos sábios e o pouco caso que faziam do bem público.”

A SBHC defende que por se tratar de um campo de conhecimento indispensável para compreender a história do mundo contemporâneo, os profissionais, ainda que não possuam o diploma específico em história, mas que têm múltiplas formações, e muito importante, têm o conhecimento de como as ciências funcionam, devem ser estimulados e não excluídos de participar da construção dos conhecimentos históricos. Evidentemente que podemos ter maus historiadores das ciências entre aqueles que não possuem o treinamento específico que o diploma de historiador prevê, mas isso também acontece entre os diplomados em história, o que já seria outra discussão.

O que na prática isso representa para aqueles que já exercem a função de historiador, mas não têm diploma de formação na área?

De imediato aqueles que já trabalham como historiadores não devem ser destituídos de suas funções, nem impedidos de pensar sobre a história, evidentemente, mas restrições de atuação, como publicação em revistas especializadas, proposição de projetos para agências de financiamento, realização de exposições, redação de manuais, atuação em instituições como museus e arquivos, são exemplos de possíveis restrições que o Projeto de Lei na forma em que está pode acarretar.

O que a entidade propõe como alternativa ao Projeto de Lei?

Nosso entendimento é que toda alternativa deva ser estabelecida entre as diversas entidades e pessoas com competências reconhecidas que se sintam restringidas em seu exercício profissional pelo Projeto de Lei, para que se chegue a um entendimento mais consensual. A lei seria mais equânime se levasse em consideração os recursos humanos oriundos de cursos de pós-graduações interdisciplinares, onde se originam em grande número os formados em história da ciência no Brasil. Em geral os cursos de história, tanto de graduação quanto de pós graduação, não tratam das ciências como campo de análise para o próprio historiador. Ainda falta à generalidade dos cientistas das humanidades ferramentas para essa incursão. Um historiador que se especialize em história antiga tem forçosamente que saber ler, por exemplo, uma tabuleta cuneiforme. Como um historiador que estude a invenção de vacinas, como aquelas criadas por Oswaldo Cruz, poderão entender os recursos e as abordagens que esse cientista propôs para a biologia da sua época, sem compreender como funciona aquela especialidade? Se as atividades científicas exercidas por aquele médico influenciaram tanto determinado momento da história do Brasil porque excluir alguém que já tem parte dessa competência e que tenha a disposição de se formar um historiador a partir de outros percursos? A SBHC está diretamente interessada nessa discussão e totalmente aberta a contribuir para a proposição de emenda ao Projeto de Lei que incentive a produção de conhecimento histórico no Brasil.

Por Flávia Machado/Blog da revista HCSM

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