Junho/2022
“Imunização: a palavra não consegue expressar a história plena de controvérsias científicas, reações da sociedade, erradicação de doenças e, mais recentemente, disputa por mercados e maior desenvolvimento.” A frase foi escrita em 2003 pelos pesquisadores Nísia Trindade Lima – atual presidente da Fiocruz em segundo mandato – , Nara Azevedo, Carlos Fidelis Ponte e Akira Homma, na Carta do Editor que apresentava o suplemento “Imunização no Brasil – história e perspectivas” da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (vol. 10, n. 2, 2003). No texto, os pesquisadores explicavam que a tarefa de reconstituir a história da imunização no Brasil – tema tão instigante quanto controverso e multifacetado – era ambiciosa demais para se resolver em apenas um número da revista:
“Esta edição também é uma história inacabada e incompleta. Ao organizá-la, promovemos um encontro de perspectivas: historiadores, antropólogos, sociólogos, médicos, sanitaristas, epidemiologistas, economistas, comunicadores, cientistas da área biomédica, gestores de saúde expõem suas análises, opiniões e vivências.”
De fato, mesmo com 20 artigos publicados, o suplemento temático de 2003 não deu conta da demanda e, em 2004, no volume 11, suplemento 1, o tema voltou à baila nos artigos Vacina antivariólica: visões da Academia de Medicina no Brasil Imperial, de Tania Maria Fernandes, e As ciências sociais entre biólogos e vacinas: agruras do estudo em um laboratório, de Márcia de Oliveira Teixeira.
Bem antes disso, em 1996, a revista HCS-Manguinhos já se ocupava do tema de forma multidisciplinar. Em A produção e o desenvolvimento de vacinas no Brasil (v. 3, n. 1, jun 1996), o economista Carlos Augusto Grabois Gadelha reunia em quase vinte páginas depoimentos de personalidades influentes e de áreas diversas como Akira Homma, Isaías Raw, José Gomes Temporão, Carlos Alberto Moreira e José Eduardo Bandeira de Mello, visando fornecer ao leitor subsídios para refletir sobre o desenvolvimento tecnológico e a produção de imunobiológicos no país e se posicionar sobre os temas. “As questões estão em aberto e requerem liberdade de pensamento face aos dogmas do neoliberalismo e do intervencionismo”, refletia Carlos Gadelha.
No ano 2000, em Alastrim, varíola é? (v. 7, n. 1, mar/jun 2000), Luiz Antônio Teixeira discutia uma controvérsia científica ocorrida entre 1910 e 1913 entre dois importantes médicos de São Paulo: Antonio Carini, diretor do Instituto Pasteur, e Emílio Ribas, diretor do Serviço Sanitário, em torno da classificação de uma doença que afetava a cidade.
No artigo Saúde pública e as empresas químico-farmacêuticas (v.7 n.3, nov 2000/fev 2001), Maria Alice Rosa Ribeiro aborda o surgimento do sistema de saúde pública e as práticas de combate às doenças infecciosas, desde as desinfecções e produção de substâncias químicas pela indústria, à soroterapia e produção de soros e vacinas nas instituições de pesquisa científica públicas e nas empresas farmacêuticas privadas.
Em abril de 2002, dois artigos de autores renomados são publicados no volume 9, número 1: Erradicação da poliomielite no Brasil: a contribuição da Fundação Oswaldo Cruz, de Hermann G. Schatzmayr, Ana Maria Bispo de Filippis e Fabian Friedrich, e Por uma história renovada da febre amarela e da vacina antiamarílica no Brasil, de Claudio Bertolli Filho.
A iconografia em torno das vacinas e das campanhas de vacinação constitui importante acervo para aqueles que se interessam pela temática das políticas de imunização. No artigo Vacinas e campanhas: as imagens de uma história a ser contada, Ângela Pôrto e Carlos Fidelis Ponte selecionaram duas coleções de imagens importantes para a compreensão da história das políticas de imunização no Brasil: o materail reunido na exposição A Revolta da Vacina: da varíola às campanhas de imunização e o trabalho de Ângela Porto sobre a erradicação da poliomielite no Brasil, onde são analisadas as mudanças ocorridas nas campanhas publicitárias convocando a população a vacinar seus filhos.
Em 2007, diante da grande produção em torno do tema, um grupo de cinco pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz organizou um livro, publicado pela Editora Fiocruz. Inovação em saúde: dilemas e desafios de uma instituição pública teve oito colaboradores que escreveram análises, além de depoimentos de pessoas ligadas à história de Bio-Manguinhos, resultando em mais de quatrocentas páginas. O livro recebeu a resenha Auto-suficiência em vacinas: a história de uma utopia, de Luiz Jacintho da Silva (vol.15, n. 1, mar 2008).
Em 2011, as vacinas voltaram à pauta da revista em dois artigos, um deles ainda atual, dez anos depois: Aspectos socioculturais de vacinação em área indígena, de Luiza Garnelo (vol.18, n.1, mar. 2011). Para os curiosos de uma história um pouco mais distante e apreciadores de charges antigas, o artigo Oswaldo Cruz e a controvérsia da sorologia, de Jorge Augusto Carreta (vol.18, n. 3, set 2011), será leitura aprazível.
Em 2013, Juliana Manzoni Cavalcanti também remonta ao início do século passado com o artigo Rudolf Kraus em busca do “ouro da ciência”: a diversidade tropical e a elaboração de novas terapêuticas, 1913-1923, publicado no Dossiê Brasil-Alemanha (vol. 20, n. 1, mar 2013).
Para quem se interessa pela resistência da população à vacinação, o artigo A epidemia de varíola e o medo da vacina em Goiás, de Eliézer Cardoso de Oliveira (vol. 20, n. 3, set 2013) revelará que, apesar da quase ausência de surtos de varíola, do século XIX até as três primeiras décadas do século XX houve um empenho dos políticos em promover a vacinação antivariólica em Goiás, interpretada como prática civilizatória, embora sua eficácia nem sempre fosse comprovada empiricamente e houvesse resistência popular.
A resistência à vacinação contra varíola reaparece na revista em 2019, no artigo Entre vacinas, doenças e resistências: os impactos de uma epidemia de varíola em Porto Alegre no século XIX, de Fábio Kühn e Jaqueline Hasan Brizola (vol.26, n.2, abr./jun. 2019). Os autores buscaram conhecer o universo da morbidade e estabelecer o impacto social da doença na cidade entre 1846 e 1874.
Outro tema que permanece atual são as concorrências e colaborações científicas entre países. O tema é tratado no artigo De Bombaim ao Rio de Janeiro: circulação de conhecimento e a criação do Laboratório de Manguinhos, 1894-1902 (vol.25, no.3, jul./set. 2018), em que Matheus Alves Duarte da Silva examina uma disputa científica internacional envolvendo vacinas e soros. Por ocasião da defesa de sua tese de doutorado à Ehess, em Paris, recentemente ele concedeu entrevista ao Blog de HCS-Manguinhos na qual revelou que, há cerca de cem anos, foi a interação entre grupos de cientistas de Brasil, Índia e França – e não os seus esforços isolados – que levou a importantes avanços contra sobre a peste bubônica.
Agora, com a Covid-19, o tema das vacinas voltou à tona, seja na resenha Pode a história imunizar as vacinas? Políticas de vacinação e suas imersões no cenário global, de Rodrigo Ramos Lima e Luiz Alves Araújo Neto, sobre o livro The politics of vaccination: a global history, da Manchester University Press, 2017. (v. 27, supl.1, set. 2020) ou na Carta do Editor intitulada Covid-19 e a corrida pela vacina (v. 27, n. 3, jul./set. 2020), assinada por Marcos Cueto, editor-científico de HCS-Manguinhos e pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
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