A interseção entre a experiência da epidemia da aids no Brasil e a transição, no campo da saúde coletiva, de uma saúde internacional, para uma saúde global, no início do século XXI, resultou em um protagonismo singular brasileiro no cenário de resposta à aids. Protagonismo que atingiu seu ápice em 2001, quando o país e seu programa de aids foram considerados um modelo para o mundo. Este livro traça uma história da resposta ao HIV e à aids no Brasil e no mundo e como esta resposta moldou e foi moldada pelo campo da saúde global.
Para compreender esse processo de apogeu (e posterior queda), Marcos Cueto e Gabriel Lopes, autores de Uma História Global e Brasileira da Aids, 1986-2021, lançam mão de uma perspectiva histórica sobre as origens, as inovações, as conquistas, os revezes e o drama da política sanitária brasileira, entrelaçada aos acontecimentos globais.
Origens, conquistas e revezes
A narrativa é estruturada entre os anos de 1986 e 2021, dividida em três grandes períodos com fronteiras sobrepostas. No capítulo 1, é estudado o período entre 1987 e 1996, quando os direitos humanos e a ciência entrelaçaram-se para controlar a doença e superar a discriminação. Essa tessitura teve como pano de fundo o processo de redemocratização do país, o surgimento de ONGs, a Reforma Sanitária, o reconhecimento da saúde como direito na Constituição de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990.
O segundo capítulo, que abrange o período de 1996 a 2007, trata de uma globalização da saúde brasileira e um abrasileiramento da saúde global. Neste período, o país combinou intervenções preventivas, tratamento universal e luta contra a homofobia, convertendo-se em uma referência nos debates sobre os medicamentos antirretrovirais. Segundo os autores, “no decorrer de pouco mais de uma década, o Brasil passou de um lugar periférico da saúde global para um país de papel central no fluxo transnacional de conhecimento e controle da doença”.
O terceiro e último capítulo refere-se ao período entre 2007 e 2019. Os autores classificam-no como um período de retrocesso, em que ocorre a ruptura da parceria entre ativistas, sanitaristas e funcionários dos Ministérios da Saúde e das Relações Exteriores. Sequelas da recessão econômica e da entrada de grupos neoliberais no poder executivo, com um impeachment em curso, o fortalecimento dos movimentos religiosos conservadores e de programas governamentais que dispensaram a relevância dos direitos humanos favoreceram o desmonte das políticas públicas paulatinamente construídas ao longo de duas décadas e levaram ao fim do lugar especial que as políticas de enfrentamento da enfermidade ocupavam no Brasil. Esse declínio no Brasil espelhou o enfraquecimento da resposta à aids nos EUA, bem como em agências multilaterais, que passaram a enfatizar a biomedicação na resposta à doença, em detrimento dos abrangentes programas lastreados em direitos humanos e na aliança com ativistas.
Necropolítica, aids e covid-19
No epílogo, em consonância com uma leitura do conceito de necropolítica, do filósofo Achille Mbembe, é analisada a relação entre as (trágicas) respostas governamentais à covid-19, o governo Bolsonaro e a queda do Programa Nacional de Aids, em um contexto de persistência da desigualdade social no Brasil.
Sobre a pesquisa
O livro resulta do Projeto de Rede de Atenção à Saúde na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: trajetória e perspectivas – no âmbito do Programa de Excelência em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológioco (Proep/CNPq). Parte da pesquisa foi realizada na Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e no acervo Abia do Icict/Fiocruz.
Sobre os autores
Marcos Cueto é doutor em história pela Universidade de Columbia, com pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts; professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz; editor da revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos; e presidente da Divisão Internacional de História da Ciência e Tecnologia entre 2021 e 2025.
Gabriel Lopes é doutor em história das ciências e da saúde pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz; pesquisador em estágio pós-doutoral na mesma instituição.
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Leia no Blog e na revista HCS-Manguinhos entrevistas e artigos de autores:
Marcos Cueto e Gabriel Lopes publicam artigo sobre a participação do Brasil na política global da Aids
Trabalho acaba de ser publicado na revista Social History of Medicine (Oxford University Press)
Aids no Brasil: entrelaçando ativismo, direitos humanos, saúde pública e agências internacionais
Do confronto entre os atores à sinergia que levou ao sucesso e reconhecimento mundial do programa, as décadas de 1980 e 1990 são o recorte temporal do novo artigo de Marcos Cueto e Gabriel Lopes
Retrocesso na saúde global e o fim do excepcionalismo da Aids no Brasil, 2007-2019
Os historiadores Marcos Cueto e Gabriel Lopes publicaram artigo na revista Global Public Health
Conservadorismo é um desafio na luta contra a Aids
“Como prevenir uma infecção sexualmente transmissível sem falar de sexo e sexualidade?”, questiona Eliza Vianna, pesquisadora da história da Aids. Ela deu entrevista ao Blog de HCS-Manguinhos por ocasião do Dia Mundial de Luta Contra a Aids, em 1º de dezembro, e do lançamento da nova campanha do Ministério da Saúde.