Julho/2015
As falhas nas políticas públicas para o controle da endemia hansênica no Brasil foi o tema da professora Roseli Martins Tristão Maciel, da Universidade Estadual de Goiás, no workshop Doenças Tropicais na América Latina e no Caribe: uma Perspectiva Histórica, realizado de 1 a 3 de julho na Fiocruz, no Rio. Roseli estudou as políticas para hanseníase implantadas da década de 1980 até 2013 para entender por que a doença permanece endêmica no país, mesmo sendo curável através de medicamentos distribuídos gratuitamente pela rede pública de saúde. A professora apresentou resultados da sua pesquisa de doutorado em Políticas Públicas pela UFRJ, intitulada “De Leprosários e Preventórios à ‘Hanseníase tem cura’ – saldos de um passado que insiste em existir”.
O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial: foram 33.303 notificações em 2012. Dados coletados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e no site da OMS demonstram que os números de prevalência e de novos casos detectados no país permanecem estáveis nos últimos anos.
Segundo Roseli, a pesquisa deixou evidente que apesar do avanço jurídico e formal das políticas para hanseníase, elas apresentam importantes debilidades no que se refere a capacidade de eliminar a endemia hansênica, dentre as quais tem destaque a maneira homogênea no trato dos Estados e municípios, o que gera resultados desiguais entre eles. “O financiamento da assistência à saúde historicamente privilegiou as regiões mais desenvolvidas com maior e melhor estrutura de oferta de serviços”, disse.
Sem levar em consideração as especificidades econômicas e os contextos histórico, social e cultural de cada região, as políticas limitam-se à dimensão biológica da hanseníase, concentrando-se na interrupção da cadeia de transmissão através do tratamento com a Poliquimioterapia (PQT). Os medicamentos, porém, causam agravos como o escurecimento da pele, que acabam assustando os pacientes em tratamento. Além disso, os pacientes não são devidamente informados que as sequelas deixadas pela doença, quando diagnosticada tardiamente, permanecem mesmo depois da cura. “Todos esses fatores não considerados pelas políticas acabam favorecendo a sobrevivência dos estigmas da hanseníase, que, por sua vez, impactam de forma negativa os resultados das políticas”, afirmou.
A pesquisadora apresentou alguns marcos das políticas públicas para hanseníase no Brasil. As primeiras políticas, unificadas e implantadas em todo o Brasil, tiveram início na década de 1930, no governo Getúlio Vargas. Esta centralização das políticas manteve-se até o fim da década de 1980. No final do período militar e no início do processo de redemocratização, houve um intenso movimento dos sanitaristas, cujo objetivo era a descentralização da saúde e a transformação das condições de vida da população pobre. Foi quando uma série de políticas públicas implementadas trouxeram mudanças significativas para o controle da endemia.
Porém, a descentralização do sistema de saúde na década de 1980 afetou negativamente as ações previstas pelas políticas unificadas, devido à desigualdade da distribuição de recursos entre os Estados e municípios, do menor número de profissionais de saúde nas regiões mais pobres e do acesso limitado à educação em saúde de determinadas populações. Além disso, as políticas homogêneas privilegiavam aspectos biológicos, negligenciando outros relacionados às dimensões socioculturais e econômicas.
Em meados da década de 1980, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a empenhar-se no controle da proliferação da hanseníase e sua condição de endemia em vários países. Como consequência, no Brasil a busca por soluções ficou evidente na produção científico-acadêmica, nas ações dos implementadores das políticas e também naquelas empreendidas pelos portadores da hanseníase. O tratamento da hanseníase através da PQT teve início no Brasil neste período, embora o método tenha sido introduzido na maioria dos demais países ainda na década de 1980.
A OMS recomendou aos países endêmicos em 1995 o desenvolvimento de Campanhas de Eliminação da Hanseníase baseadas em três elementos: diagnosticar e curar pacientes com a PQT, aumentar a participação comunitária e capacitar profissionais de saúde. O Plano de Eliminação da Hanseníase no Brasil, formulado no ano de 1994 para vigorar entre 1995 a 2000, tinha como objetivo eliminar a hanseníase enquanto endemia até o ano 2000. A ideia era identificar novos casos da doença em sua fase ainda inicial.
Segundo o Conselho Nacional de Secretários da Saúde, as políticas de eliminação da hanseníase a partir de 1990 resultaram na redução do número de casos de hanseníase de 280 mil em 1990 para 87 mil em 1997 e 77 mil em 2000.
Em 2002, aconteceu em Brasília o Fórum Mundial sobre Hanseníase. No evento, o Governo brasileiro assumiu a presidência da Aliança Global para a Eliminação da hanseníase.
Por ocasião do lançamento do “Programa mais saúde: direito de todos”, foram estabelecidas ações para a hanseníase que incluíam vigilância epidemiológica, gestão, atenção integral, comunicação, educação e pesquisa, com metas a serem cumpridas de 2008 a 2011. Em 2009, foram aprovadas as Instruções Normativas para o controle da doença na atenção básica à saúde. Ganharam destaque a comunicação e educação em saúde. Era preciso estruturar, organizar e oficializar o sistema de referência e contra-referência.
No início de 2010, a OMS, através da Estratégia Aprimorada para Redução Adicional da Carga da Hanseníase para 2011 e 2012, ressaltou a introdução, em caráter de urgência, de mudanças inovadoras na organização do controle da doença e a introdução de novos métodos de colaboração entre os sujeitos envolvidos no processo, com mudanças de comportamento dos que trabalham com saúde, dos portadores da doença, de suas famílias e da sociedade como um todo. O objetivo é minorar as cargas advindas com a enfermidade, tanto de ordem biológica, econômica e social quanto emocional e psicológica.
O MS então lançou as Diretrizes para Vigilância, Atenção e Controle da Hanseníase, documento que reforça a concepção de que a doença deve ser controlada no âmbito da atenção primária, no contexto comunitário. A portaria define o tratamento e enfatiza que o diagnóstico é essencialmente clínico e epidemiológico, e que a negatividade do exame baciloscópio não exclui o diagnóstico. Assim, todas as unidades de saúde devem enfocar, também, as complicações e reações aos medicamentos apresentadas pelos pacientes. Em 2012 foi lançado o Plano Integrado de Ações Estratégicas de eliminação da hanseníase, filariose, esquistossomose e oncocercose como problema de saúde pública, tracoma como causa de cegueira e controle das geohelmintíases.
Leia mais:
De Leprosários e Preventórios à ‘Hanseníase tem cura’ – saldos de um passado que insiste em existir, tese de doutorado apresentada por Roseli Martins Tristão Maciel ao Instituto de Economia da UFRJ em 2014
Leia em HCS-Manguinhos:
Mellagi, André Gonçalves and Monteiro, Yara Nogueira O imaginário religioso de pacientes de hanseníase: um estudo comparativo entre ex-internos dos asilos de São Paulo e atuais portadores de hanseníase. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Jun 2009, vol.16, no.2 texto em português
Castro, Selma Munhoz Sanches de and Watanabe, Helena Akemi Wada Isolamento compulsório de portadores de hanseníase: memória de idosos. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Jun 2009, vol.16, no.2 texto em português
Leandro, José Augusto. A hanseníase no Maranhão na década de 1930: rumo à Colônia do Bonfim. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Jun 2009, vol.16, no.2 texto em português
Santos, Vicente Saul Moreira dos. Pesquisa documental sobre a história da hanseníase no Brasil. Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em português
Benchimol, Jaime Larry et al. Luta pela sobrevivência: a vida de um hanseniano através da correspondência com Adolpho Lutz. Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em português
Maciel, Laurinda Rosa et al. Memories and history of Hansen’s disease in Brazil told by witnesses (1960-2000). Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em inglês
Moreira, Tadiana Alves. Panorama sobre a hanseníase:quadro atual e perspectivas . Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em português
Sarno, Euzenir Nunes. A hanseníase no laboratório. Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em português
Joseph, D. George. “Essentially Christian, eminently philanthropic”: The Mission to Lepers in British India.Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em inglês
Levison, Julie H. Beyond quarantine: a history of leprosy inPuerto Rico, 1898-1930s. Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em inglês
Obregón, Diana. The anti-leprosy campaign in Colombia:the rhetoric of hygiene and science, 1920-1940. Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em inglês
White, Cassandra. Carville and Curupaiti: experiences of confinement and community. Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em inglês
Monteiro, Yara Nogueira. Prophylaxis and exclusion:compulsory isolation of Hansen’s disease patients in São Paulo. Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em inglês
Oliveira, Maria Leide Wand-del-Rey de et al. Social representation of Hansen’s disease thirty years after the term ‘leprosy’ was replaced in Brazil. Hist. cienc. saude-Manguinhos, 2003, vol.10, suppl.1 texto em inglês
Mais notícias do workshop sobre doenças tropicais: Pesquisadora investiga por que a hanseníase continua endêmica no Brasil Roseli Martins Tristão Maciel, da Universidade Estadual de Goiás, apresentou trabalho no workshop sobre doenças tropicais realizado na Fiocruz. Harald Sioli e a esquistossomose na Fordlândia, 1950 O historiador André Felipe Cândido da Silva revela as descobertas do limnologista alemão em workshop sobre doenças tropicais na Fiocruz Historiadora estuda o combate ao ‘amarellão’ no RS na década de 1920 Em workshop na Fiocruz, Ana Paula Korndörfer abordou a cooperação entre o governo estadual e a Fundação Rockfeller contra a doença Historiador estuda acervo do Asilo São Vicente de Paulo, em Goiás Internos cuidados por irmãs dominicanas entre 1909 e 1946 tinham lepra, doenças mentais e doenças tropicais, como Chagas, malária, leptospirose e dengue, revela Rildo Bento de Souza, da UFG Pesquisa investiga botica de hospital militar de Goiás em fins do século XVIII Trabalho de pesquisadores da UFG foi apresentado no workshop sobre doenças tropicais realizado na Fiocruz, no Rio Ideias de raça influenciaram diagnóstico da febre amarela no Caribe no início do séc. 20 Tara Innis, da Universidade de West Indies, em Trinidad e Tobago, participou de mesa no workshop sobre doenças tropicais realizado na Fiocruz de 1º a 3 de julho. O papel de Havana na busca pelo germe causador da febre amarela no século 19 Steven Palmer, da Universidade de Windsor, Canadá, abordou o tema no workshop sobre doenças tropicais na Fiocruz. ‘Sal Pinotti’ contra malária na Amazônia No workshop sobre doenças tropicais realizado na Fiocruz, Rômulo de Paula Andrade abordou a estratégia na Amazônia nos anos 1950 e Elis Regina Corrêa Vieira falou sobre o papel da imprensa paraense no surto de 1917. Medo e desinformação marcaram epidemia de cólera em Veracruz, no México Beau Gaitors e Chris Willoughby, da Universidade Tulane (EUA), participaram do workshop sobre doenças tropicais na Fiocruz ‘As colônias deram mais do que receberam’ Rita Pemberton, professora da Universidade de York especialista na história de Trinidad e Tobago, proferiu uma das mais aguardadas palestras do workshop E no blog de HCS-Manguinhos em inglês/espanhol: “Race is never silenced in scientific inquiry” Interview with Tara Inniss discusses how racial categorizations continue to form a major part of epidemiological investigation in the Caribbean and elsewhere. A history of yellow fever, environment and nationalism in 19th century Florida, US Elaine LaFay discusses how regional assessments raise questions about meanings of tropicality and cultural understandings of tropical diseases. The polar chamber and the freezing of Cuba politics. Francisco Javier Martínez-Antonio explains the polar chamber’s way to freeze Cuba in medical and political terms in the 19th century.