Os inimigos invisíveis do império alemão

Infusões com galhos de morcegueira e de peroba – receitas curativas populares brasileiras – eram usados contra malária e febres pelos primeiros imigrantes alemães e seus descendentes no início da colonização alemã no Brasil meridional. As ervas medicinais locais foram sendo apropriadas pela farmacopeia colonial enquanto a Alemanha estruturava sua medicina tropical como ciência instrumental para a expansão do seu império.

Desde os primeiros anos do colonialismo alemão na África, doenças tropicais como cólera, malária, febre amarela, lepra e tripanossomíase africana preocupavam as autoridades, soldados, comerciantes, missionários e colonos. Campanhas de saneamento, divulgação de informações de higiene tropical e expedições científicas para o estudo de doenças tropicais foram realizadas nas colônias alemãs.

No processo de domesticação da natureza, a microbiologia teve papel ímpar, já que o desenvolvimento da profilaxia de doenças tropicais dependeu dos avanços no campo da bacteriologia.  As metrópoles logo ganharam institutos e laboratórios de medicina tropical, até porque, no final do século XIX, cidades portuárias europeias como Hamburgo e Marselha haviam sido assoladas pelo cólera. De 1883 até 1914, Robert Koch e outros médicos alemães participaram de várias expedições pela África para estudar as doenças que ameaçavam a expansão do império alemão.

Koch_montagem

A Tropenmedizin tinha duplo objetivo: tornar as regiões colonizadas inócuas ao corpo do colonizador e tornar saudável o corpo do colonizado para melhor servir ao colonialismo.

Preocupados em defender os  ‘interesses coloniais’, periódicos em língua alemã publicados em áreas de colonização – como São Leopoldo e Santa Cruz (RS) e Blumenau e Brusque (SC), no Brasil, e Swakopmund, Windhuk e Dar es Salaam, na África – difundiam para os seus leitores (uma minoria branca) a importância do ‘combate’ às doenças tropicais. O uso do termo ‘combate’ (Bekämpfung) demonstra que a imprensa colonial apropriou-se de uma linguagem beligerante já utilizada pela própria medicina tropical e compartilhada por vários discursos produzidos pelo colonialismo, no qual quase tudo se tornava um inimigo a combater. Dessa forma, vírus e bactérias eram inimigos ‘invisíveis’ do colonialismo.

Pela imprensa local em alemão, os colonos eram informados sobre medidas de saneamento, profilaxia e experimentos da medicina tropical. Nos jornais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina pululavam notícias sobre mortes de europeus na África, causadas sobretudo por doenças tropicais.

Artigo do médico H. Krauss no jornal Kolonie und Heimat (reprodução)

Artigo do médico H. Krauss sobre malária no jornal Kolonie und Heimat (reprodução)

O levantamento e a análise destas publicações é o foco de um estudo desenvolvido pelo professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina Sílvio Marcus de Souza Correa.

No artigo O ‘combate’ às doenças tropicais na imprensa colonial alemã, publicado no volume 20 da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (Jan./Mar. 2013), o pesquisador apresenta suas principais descobertas – como inferência de que novas zonas endêmicas e novas epidemias foram provocadas pela interiorização do domínio colonial alemão.

Leia o artigo na íntegra no Scielo

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