O astrolábio e a arte de navegar

Novembro/2014

Para navegar do Rio de Janeiro a Buenos Aires na época das monções, de novembro a março, a nau deve ser direcionada para o sul atingindo a altura de 28 graus, rumando para o rio da Prata. Desse ponto em diante, deve seguir para sudoeste, afastada da costa aproximadamente 45 léguas, chegando à altura de 34 graus e meio ou 35, caso o vento seja de Leste para Noroeste.

Orientações como esta estão no livro “A arte de navegar”, de Manuel Serrão Pimentel, cosmógrafo-mor durante o reinado de dom João V e filho de Luís Serrão Pimentel, que o antecedeu no cargo. A obra foi objeto de estudo de Heloisa Meireles Gesteira, pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), que escreveu do artigo “O astrolábio, o mar e o Império“, publicado na recém-lançada edição “Oceanos e mares: histórias, ciências e políticas” da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.

A autora explora especificamente as partes do livro relativas ao uso de instrumentos, em particular o astrolábio, para determinar latitude, e a agulha de marear, para ajustar o rumo  de acordo com os roteiros. Ela também analisa roteiros apresentados nas edições do livro de 1681 e de 1818.

A partir de textos escritos em Portugal pelos cosmógrafos do Reino entre os séculos XVI e XVIII, o estudo evidencia as bases técnicas e científicas que possibilitaram a expansão marítima europeia, destacando as relações entre elas e a construção e uso dos artefatos para medições e instrumentos matemáticos utilizados na navegação oceânica.

Em alto mar, o único ponto fixo para orientação das embarcações eram as estrelas-guias. No hemisfério Norte, a Polar. Perto do Equador para o Sul, o Sol e o Cruzeiro do Sul.

Os pilotos dos “descobrimentos” eram munidos de instrumentos, tabelas de declinação do Sol e de outras estrelas conhecidas, roteiros e informações sobre as condições de navegação, visando à condução correta das embarcações rumo ao ponto desejado e também permitindo o mapeamento das linhas costeiras e das novas terras. O uso de instrumentos foi imprescindível para as observações astronômicas relacionadas ao posicionamento geográfico das embarcações durante as viagens oceânicas, para a definição das rotas, para a confecção de roteiros e, não menos importante, para a localização das novas terras.

Os instrumentos dos ibéricos eram astrolábios, bússolas, quadrantes, balhestilhas e artefatos como compassos, transferidores e réguas, que serviam para transportar os dados coletados para a superfície do papel, permitindo o aperfeiçoamento das cartas de marear. Os navegadores também adquiriam conhecimento sobre as correntes marítimas e os sistemas de vento do Atlântico Sul. Durante as viagens, novas anotações eram feitas para aprimorar os dados coletados pelos pilotos e homens do mar.

O Regimento dos pilotos, publicado em 1592, reflete as necessidades da navegação astronômica e aponta para a articulação entre os interesses políticos e a importância que o controle sobre as rotas e localização de terras distantes passou a ter na geopolítica europeia. O domínio sobre as técnicas era elemento-chave. O regimento previa para os pilotos o ensino de noções básicas de matemática. A navegação era uma via de aplicação prática da matemática e da astronomia. Uma primeira noção importante é sobre a forma da Terra. Os livros apresentavam os princípios básicos da esfera e as noções necessárias para a navegação: redondeza da terra (composta por terra e água), os círculos máximos, os meridianos e o horizonte, os círculos menores, os trópicos de Câncer e de Capricórnio, o eixo e os polos, o que é zênite (relativo ao observador) e o que é latitude e longitude.

Em “A arte de navegar”, Pimentel explica que a “esfera terráquea” foi convencionalmente dividida em 360 graus e cada grau em sessenta minutos, que por sua vez se subdividem em sessenta segundos e das vezes que esses números podem ser divididos em porções exatas, facilitando os cálculos. O cosmógrafo apresenta as equivalências dos graus em distâncias e sugere a conversão de cada grau do círculo em 18 léguas. A divisão era utilizada para marcar os astrolábios e quadrantes para medir a altura dos astros no mar.

A necessidade de se localizar, de se deslocar de um ponto a outro com segurança e de identificar novas terras impôs a padronização das medidas utilizadas, o que interferia no desenho e na fabricação dos instrumentos. Além da localização mais precisa, essa padronização das medidas era crucial para reunir as informações anotadas pelos diversos pilotos durante as viagens para os pontos mais longínquos do Império. Por isso, havia uma preocupação especial com o controle de fabricação dos instrumentos, em particular relacionados à sua graduação.

Leia em HCS-Manguinhos:

O astrolábio, o mar e o Império – artigo de Heloisa Meireles Gesteira

Sumário da edição “Oceanos e mares: histórias, ciências e políticas” no Scielo (vol.21 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2014)

Como citar este post [ISO 690/2010]:

O astrolábio e a arte de navegar. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. [viewed 08 November 2014]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/o-astrolabio-e-a-arte-de-navegar.