Germanofilia de Rocha Lima marcou sua ‘persona’ científica

Abril/2013

André Felipe Cândido da Silva, da USP

O historiador André Felipe Cândido da Silva

Por Jaime Benchimol

Apesar da grande importância para a compreensão de doenças infecciosas como febre amarela, verruga peruana (doença de Carrión) e tifo exantemático, o microbiologista e patologista brasileiro Henrique da Rocha Lima permanece praticamente desconhecido da maior parte dos brasileiros. Sua identificação com a Alemanha e ligação com a medicina germânica num momento em que ela se ligou às terríveis atrocidades do nazismo pode ter contribuído para esse ‘silenciamento’.

A teoria é do historiador André Felipe Cândido da Silva, que pesquisou a fundo a vida e a obra de Rocha Lima e recebeu o prêmio de menção honrosa da Capes em 2012 por sua tese de doutorado pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, orientada por Magali Romero Sá e Jaime Benchimol.

Cândido da Silva, que faz pós-doutorado em História na USP, publicou o artigo “Um brasileiro no Reich de Guilherme II: Henrique da Rocha Lima, as relações Brasil-Alemanha e o Instituto Oswaldo Cruz, 1901-1909”, na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v.20, n.1).

Nesta entrevista ao blog da revista, o historiador fala da importância da atuação do cientista que promoveu as relações científicas entre Brasil e Alemanha na primeira metade do século XX.

O seu artigo faz parte de um trabalho de maior fôlego sobre o cientista Henrique da Rocha Lima. Qual era o escopo mais geral? A que resultados você chegou?

O artigo é parte da tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz em outubro de 2011. A tese trata da trajetória científica de Rocha Lima de sua ida a Alemanha, em 1901, até 1956, quando ele morre em São Paulo. Em sua ampla e complexa trajetória, dei destaque a seu papel como promotor das relações científicas entre Brasil e Alemanha, aspecto bastante saliente em seu itinerário profissional. Pude notar que Rocha Lima teceu ampla rede de sociabilidade intelectual e engajou-se de forma bem-sucedida à comunidade acadêmica alemã por meio de seus trabalhos em microbiologia e patologia, sobretudo pela identificação do causador do tifo exantemático durante a Primeira Guerra.

Não deve ter sido fácil fazer pesquisa sobre um personagem que transitou por mundos culturalmente tão diferentes. Quais foram as dificuldades? Com que fontes você trabalhou?

A identificação de Rocha Lima com a Alemanha foi muito intensa, marcando de forma indelével sua ‘persona’ científica. A primeira dificuldade foi aprender o idioma alemão para decifrar a maior parte das fontes; pelo menos aquelas que me interessavam mais diretamente. Tive também de tentar compreender a dinâmica histórica da formação social alemã e a maneira como a ciência integrou aquela sociedade e cultura. Foi difícil também mobilizar a enorme quantidade de fontes, depositadas no Centro de Memória do Instituto Biológico de São Paulo. Nesse sentido, foi fundamental o apoio do Instituto, principalmente na pessoa de Márcia Rebouças, que idealizou o Centro. E, por fim, apesar de muito prazerosa, a estadia na Alemanha em 2010 envolveu dificuldades inerentes do dia-a-dia numa cultura bastante diferente da nossa.

O que um estudo de cunho quase biográfico como o seu pode trazer de original para a historiografia das ciências  e da saúde?

Acredito que a abordagem biográfica torna mais vívidos os paradoxos, impasses e motivações do fazer científico, principalmente no Brasil, onde conhecemos relativamente pouco os protagonistas na história das ciências e da saúde. Por aquilo que o indivíduo tem de comum e de ‘extraordinário’, é possível ainda compreender melhor os contornos da sociedade e cultura de um tempo e, no caso dos cientistas, elucidar como a atividade científica conformou e foi conformada pelo contexto mais amplo.

Qual a significação que Rocha Lima teve ou tem ainda para as ciências, e não apenas do Brasil, tendo sido ele um investigador reconhecido internacionalmente?

Rocha Lima teve papel importante na compreensão de doenças infecciosas como a febre amarela, a verruga peruana (doença de Carrión) e o tifo exantemático. As lesões do fígado que ele descreveu na febre amarela ainda hoje são utilizadas no diagnóstico necroscópico da doença e foram fundamentais para o mapeamento epidemiológico feito no Brasil nos anos 1930 e 1940. O quadro histopatológico da verruga peruana/doença de Carrión também permanece uma referência para os especialistas. Depois de um conturbado percurso de controvérsias, o agente identificado por Rocha Lima como causador do tifo foi confirmado. A partir desse agente, a Rickettsia prowazeki, ele formulou uma nova categoria de microrganismos, as riquétsias, de classificação problemática, que hoje inclui muitos patógenos para o homem e animais.

Além disso, Rocha Lima destacou-se como administrador científico, tendo consolidado nacional e internacionalmente o Instituto Biológico criado por Arthur Neiva em São Paulo em 1927. Ele dirigiu a instituição por dezesseis anos, período em que ela trouxe contribuições bastante importantes para a agropecuária paulista.

Em que medida a trajetória de Rocha Lima pode ser comparada a de um epígono da ciência, como um Carlos Chagas no Brasil ou um Robert Koch na Alemanha?

Rocha Lima pertenceu ao primeiro time de pesquisadores em sua especialidade na Alemanha, que à época figurava como vanguarda no campo da pesquisa médica. Isso o investiu de enorme legitimidade entre os brasileiros, que se referiam a ele como o patrício que havia brilhado no Velho Mundo. Entre os correspondentes de Rocha Lima, incluem-se grandes representantes da ciência daquele tempo, demonstrando que ele estava integrado num circuito prestigiado de pesquisadores. Assim como Chagas, ele enfrentou sérias controvérsias e mesmo indiferença em relação a suas contribuições científicas, mas diferentemente dele, o reconhecimento de seu legado permanece controverso, uma vez que a literatura especializada e mesmo cientistas brasileiros não atribuem a Rocha Lima a autoria de suas descobertas. Diferentemente de um Koch, de um Oswaldo Cruz, de um Chagas, que foram alçados ao panteão de heróis da ciência, o nome de Rocha Lima ficou de certa forma na sombra. É praticamente desconhecido da maior parte dos brasileiros, suscitando referências apenas entre especialistas de seu campo e alguns conhecedores da história das ciências no Brasil. Sua identificação com a Alemanha e ligação com a medicina germânica num momento em que ela se ligou às terríveis atrocidades do nacional-socialismo pode ter contribuído para esse ‘silenciamento’.

Saiba mais:

Confira o artigo “Um brasileiro no Reich de Guilherme II: Henrique da Rocha Lima, as relações Brasil-Alemanha e o Instituto Oswaldo Cruz, 1901-1909”