Junho/2013
Jaime Benchimol
História, Ciências, Saúde – Manguinhos entrou nas redes sociais quando irrompiam em várias cidades do Brasil as manifestações que vêm sacudindo o torpor da opinião pública e dando vazão às insatisfações acumuladas de grande parte dela. A experiência das redes sociais na comunicação científica é nova para nós, fascinante e muito diferente das rotinas de edição em papel e em meio digital dos conteúdos que tradicionalmente veiculamos. A linguagem é outra; o giro, muito rápido; o público, um pouco diferente; e as sinergias entre leitores, editores, autores se dão em planos e se traduzem em números que estamos aprendendo a ‘surfar’ (não me ocorre outra palavra), como aqueles principiantes que vemos nas praias a se equilibrar sobre as ondas. Elas varrem o mundo digital estabelecendo uma proximidade muito perturbadora entre a realidade de nossas existências, e eu me refiro aqui à realidade ‘protegida’ de um periódico acadêmico, e as realidades tumultuárias, mais ou menos efêmeras, das coletividades ou tribos digitais, que agora desaguam nas ruas, aos borbotões, e refluem para o ciberespaço com milhares de pontos de vista, consensos, fragmentos de informação em torvelinho estonteante.
Dia 20 de junho, esteve na redação da revista Valdei Araujo, um dos mais brilhantes historiadores da nova geração, que veio à Casa de Oswaldo Cruz para falar sobre “O que ainda podemos aprender com a história”. Não resistimos à tentação de indagar dele o que pensava sobre as manifestações dos dias anteriores, e logo saímos, Roberta C. Cerqueira e eu, para participar daquela que havia sido programada, sabe-se lá por quem, naquela mesma tarde. Testemunhamos a afluência e o deslocamento de uma massa humana incalculável por toda a extensão da Av. Presidente Vargas, uma das espinhas dorsais do centro do Rio de Janeiro.
Manifestação linda, com muita gente jovem, que vivenciava pela primeira vez essa forma ativa de cidadania democrática, e muita gente, também, da geração que protagonizou as grandes mobilizações de rua contra a ditadura militar e o ‘Fora Collor’.
Viam-se poucas faixas elaboradas, mas milhares de cartazes improvisados, nos quais se percebia a coalescência de palavras de ordem contra alvos bem determinados: a corrupção generalizada no âmbito do bloco de partidos que detém o poder e de boa parte daqueles que fazem suposta oposição a ele; a homofobia do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, grotesca ponta de lança de um movimento conservador perigoso que vem sendo cultivado pelos governos através da concessão de canais de rádio e televisão, de cargos, mutretas e favores de toda ordem; os jogos escusos de ministros, governadores e prefeitos envolvendo os espaços urbanos e os grandes eventos que terão lugar nele em desumanos prejuízos à população, mas em proveito da política degradada do caixa 2, a política entendida somente como a arte de reeleger-se; viam-se milhares de cartazes que pediam educação e saúde de qualidade ao invés de estádios faraônicos; que clamavam contra a infame iniciativa de políticos flagrados a roubar contra os ministérios públicos Estadual e Federal.
Era uma manifestação linda, espontânea e muito preocupada em declarar suas intenções pacíficas, em rechaçar pequenos grupos que claramente se diferenciavam na multidão pela intenção de usar a violência, intenção denotada pelo trajar, pelas toucas ninja, os porretes e barras de ferro. Pequenos grupos decididos a ações destrutivas de prédios públicos e instituições bancárias, ações inspiradas em motivações ideológicas; outros grupos pequenos de lumpemproletariado boçal, disposto a barbarizar tudo e todos, bandidos que têm contas a ajustar com a polícia e as UPPs; e ainda marombeiros que não perdem uma oportunidade de praticar musculosas covardias. Vândalos, sem dúvida, ameaçando o tempo todo a grande massa de gente disposta a clamar por um Brasil mais ético e melhor.
Mas havia outro contingente de vândalos presentes na avenida: as forças policiais que, ao invés de proteger a multidão pacífica, assegurar seu legítimo direito de manifestação, foram atiçadas covardemente contra meninas e meninos desarmados, contra senhoras e pais de família, a mando de políticos que têm contas a prestar, que não suportam a democracia, que gargarejam retóricas populistas e são, na prática, mais que autoritários, são perversos. Desembarcamos na estação de metrô da Uruguaiana onde intencionalmente foi deixada apenas uma estreita saída para que a multidão deixasse o lugar. Na avenida e em suas imediações, os sinais de telefonia foram suprimidos para que ninguém se comunicasse, ninguém registrasse os flagrantes dos crimes de antemão preparados pelas autoridades. A gigantesca e pacífica passeata teve de fugir aos assaltos da cavalaria, às agressões da guarda pretoriana do prefeito; os editores desta revista e também a jornalista da Casa de Oswaldo Cruz, Ruth B. Martins, ficaram depois horas confinados num restaurante para fugir à sanha de tropas que, na Lapa e na Cinelândia, lançavam bombas e balas indiscriminadamente contra manifestantes, contra simples transeuntes, até mesmo dentro de bares onde se refugiavam mães e pais com crianças.
O poder público, o prefeito desta cidade, o governador do Rio de Janeiro deram provas de que agem também como vândalos, promovem a desordem pública e, cinicamente, põem os resultados da destruição na conta da esmagadora maioria que reprimiram ao invés de proteger. Em nome de quê?
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