Campinas: laboratório da febre amarela

Julho/2015

Centro de Campinas em 1880

Centro de Campinas em 1880. Foto: Wikipedia

Ao final da década de 1880, a elegante e festejada Campinas, considerada a capital agrícola de São Paulo, também tinha um lado menos glamouroso. Chegavam à cidade cada vez mais imigrantes e escravos libertos, que se comprimiam em cortiços e casas de cômodos. A cidade estava prestes a passar por uma das experiências mais traumáticas de sua história: a febre amarela.

No verão de 1889, uma epidemia resultou em centenas de mortos, abalando a economia, a demografia e o orgulho da chamada “Princesa d’Oeste”, que perdeu casas comerciais, indústrias e habitantes. Os últimos casos foram registrados em junho daquele ano, mas nos anos seguintes novas epidemias ocorreram. O ciclo só seria interrompido em 1897, com uma série de intervenções urbanas e obras de saneamento.

As ações afetaram diretamente a vida dos habitantes, não apenas melhorando a salubridade local, mas também criando problemas de ordem prática, como demolições, interdições e milhares de intimações para reformas de casas e prédios. Os cortiços e habitações coletivas foram combatidos tenazmente pela polícia sanitária, tão temida quanto a polícia comum, pois tinha o poder de deixar famílias inteiras desabrigadas.

Emílio Ribas

Emílio Ribas

A história está contada em detalhes no artigo Cidade-laboratório: Campinas e a febre amarela na aurora republicana, publicado em HCS-Manguinhos por Valter Martins, professor do Departamento de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste. Segundo Martins, o diretor da Comissão Sanitária do Estado de São Paulo, Emílio Ribas, era conhecedor da teoria e experiências do médico cubano Carlos Finlay sobre a transmissão da febre amarela por mosquitos rajados e buscou impedir a proliferação do inseto em Campinas. Assim, a cidade serviu de ensaio para o que ocorreria anos mais tarde no Rio de Janeiro de Oswaldo Cruz e Pereira Passos.

O antigo Desinfectório Central de Campinas, que foi instalado em 1896, no prédio do mercado adaptado para esse fim

O antigo Desinfectório Central de Campinas, instalado em 1896 no prédio do mercado, adaptado para esse fim

Até 1896, para conter a doença, a Intendência Municipal tomava medidas como a implantação de um serviço de água e esgoto, a remoção das cocheiras do centro da cidade e a melhoria da coleta de lixo. Em julho daquele ano, foi instalada na cidade a Comissão Sanitária estadual, responsável pelo policiamento sanitário, desinfecções e o cumprimento das determinações do Código Sanitário, em vigor desde 1894. Outra comissão, de Saneamento, também instalada em 1896 e dirigida pelo engenheiro Saturnino de Brito, conduziu obras como a canalização dos córregos urbanos, que ajudariam a livrar a cidade dos criadouros de mosquitos. Foi determinada a remoção de depósitos de água estagnada, a vedação de poços e a proibição do uso de tinas para lavar roupas.

Apesar dos problemas criados à população, o trabalho da Comissão Sanitária Estadual teve sucesso e a febre amarela praticamente desapareceu. Já no início do século XX, a Comissão dedicou-se a informar ao público, através da distribuição de folhetos e da divulgação em jornais, como a doença era transmitida e como podia ser combatida.

Leia em História, Ciências, Saúde – Manguinhos:

Cidade-laboratório: Campinas e a febre amarela na aurora republicana, artigo de Valter Martins, vol.22, n.2, jan./abr. 2015

Sumário da edição (vol.22, no.2, abr./jun. 2015)

Antiescravismo e epidemia: “O tráfico dos negros considerado como a causa da febre amarela”, de Mathieu François Maxime Audouard, e o Rio de Janeiro em 1850. Kaori Kodama, vol.16, no.2, Jun 2009.

A cidade e a morte: a febre amarela e seu impacto sobre os costumes fúnebres no Rio de Janeiro (1849-50) – Cláudia Rodrigues, vol.6, no.1, Jun 1999

Combates sanitários e embates científicos: Emílio Ribas e a febre amarela em São Paulo – Marta de Almeida, vol.6, no.3, Fev 2000

Produzindo um imunizante: imagens da produção da vacina contra a febre amarela – Aline Lopes Lacerda e Maria Teresa Villela Bandeira de Mello, vol.10, supl.2, 2003

Da ‘abominável profissão de vampiros’: Emílio Goeldi e Os mosquitos no Pará (1905) – Nelson Sanjad, vol.10, no.1, Abr 2003

Representação e intervenção em saúde pública: vírus, mosquitos e especialistas da Fundação Rockefeller no Brasil – Ilana Löwy, vol.5, no.3, Fev 1999

Leia no Blog de HCS-Manguinhos:

O papel de Havana na busca pelo germe causador da febre amarela no século 19
Steven Palmer, da Universidade de Windsor, Canadá, abordou o tema em workshop sobre doenças tropicais na Fiocruz.

Ideias de raça influenciaram diagnóstico da febre amarela no Caribe no início do séc. 20
Tara Innis, da Universidade de West Indies, em Trinidad e Tobago, participou de mesa no workshop sobre doenças tropicais realizado na Fiocruz de 1º a 3 de julho

Como citar este post [ISO 690/2010]:
Campinas: cidade-laboratório da febre amarela. Blog de HCS-Manguinhos. [viewed 28 July 2015]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/campinas-cidade-laboratorio-da-febre-amarela/